O artista Romulo Fróes sempre fez de suas canções crônicas urbanas e modernas. Agora, elas fazem de palco a cidade que as inspirou: São Paulo surge em uma série de shows onde o artista toca na íntegra destaques de sua discografia, com seis álbuns ganhando vida em prédios ou espaços públicos da capital paulista. Os vídeos foram exibidos no YouTube do artista ao longo dos meses de março e abril.
“Agora É Minha Voz” dá vida a uma série de shows online, com Fróes cantando e tocando no violão os repertórios de seus discos totalmente autorais: “Calado” (2004), “Cão” (2006), “No Chão Sem O Chão” (2009), “Um Labirinto Em Cada Pé” (2011), “Barulho Feio” (2014) e “O Disco Das Horas” (2018). É um mergulho íntimo na composição de cada canção em vídeos realizados nas ruas e edifícios de São Paulo. Os registros contrapoem esse desnudamento do processo artístico e autoral com a rigidez e monumentalidade da cidade através do olhar do diretor Luan Cardoso.
Sobre o cantor, suas composições já foram gravadas por diversos artistas como Elza Soares, Jards Macalé, Ná Ozzetti, Juçara Marçal, Nina Becker, Mariana Aydar, Jussara Silveira, Bruno Morais, Juliana Perdigão, Rodrigo Campos, Filipe Catto, Manuela Rodrigues, Mona Gadelha, entre outros. Atuante na cena musical independente do país, realiza documentários, trilhas sonoras, curadorias musicais, produção, direção de discos e shows de outros artistas, além de publicar textos sobre a música brasileira. Muito influenciadas pelo samba, e ao mesmo tempo conectadas a uma grande variedade de manifestações musicais do país, suas canções passeiam pelo limiar entre o cerebral e o emocional. Confira a entrevista:
As suas composições já foram gravadas por diversos cantores como Bruno Moraes, Juliana Perdigão e na voz marcante da Elza Soares. Você já escreveu alguma composição para algum artista específico ou depois de compor uma canção percebeu que tinha algo em comum com a voz e presença de palco de um(a) cantor(a)?
Sobretudo no começo da minha carreira, compus muito pensando nas cantoras da minha geração. Tanto que em 2016 lancei um disco chamado “Por Elas Sem Elas”, que nada mais é que uma seleção de canções minhas, gravadas por outras intérpretes antes de mim. Eu entendi logo cedo que outras vozes, além da minha própria, ajudariam a consolidar meu nome dentro de uma nova cena da música brasileira que começava a se formar no começo dos anos 2.000. Para além do prazer imenso que é ouvir uma composição sua em interpretações, que via de regra, vão por caminhos diferentes daqueles imaginados por você.
Suas composições são crônicas que nos levam a uma imersão na letra de cada canção, como “Barulho feio” gravado no Centro de São Paulo. Tem alguma composição guardada ou você já pensou em compor uma música descrevendo o atual cenário do Brasil?
Acho que as minhas canções, que muitas vezes a letra nem é de minha autoria, para além de serem crônicas mais narrativas ao estilo de Kiko Dinucci e Rodrigo Campos, pra falar de compositores próximos a mim, elas refletem o momento presente de um modo mais aberto, através de imagens que muitas vezes soam abstratas, mas que ampliam seu significado para além do seu tempo. O exemplo de “Barulho Feio” que usou, uma canção composta em 2013 sob o impacto das manifestações de rua que se intensificavam, tem outro sentido quando a ouvimos hoje em plena pandemia. E respondendo a segunda parte de sua pergunta, como um exercício para manter a sanidade durante a pandemia, compus até agora 48 letras. Senti necessidade de colocar em palavras, o turbilhão de sentimentos para o qual fomos todos lançados. Mas assim como em “Barulho Feio”, escrevo para o agora não se restringindo apenas a ele, quero que as canções compostas neste período tão intenso de nossas vidas, funcionem como um documento histórico, mas que continuem fazendo sentido para quem ouvi-las daqui a muitos anos.
Como é para você já ter escrito composições para diversos artistas que são muito conhecidos em todo mundo?
Faço parte de uma geração de artistas que construíram suas carreiras fora da indústria fonográfica. Se isto nos deu uma liberdade criativa muitas vezes impossível de se conquistar dentro das grandes gravadoras, fora delas, fomos lançados a um certo anonimato. Anonimato este, que foi inflado pelo advento da internet e o acesso facilitado aos meios de gravação, que resultou numa explosão de novos trabalhos e carreiras, ampliando infinitamente a oferta para os consumidores de música, o que é muito mais rico e democrático, mas que também dificulta a atenção de um público maior ao nosso trabalho. Por este motivo, por exemplo, quando Elza Soares grava “Mulher do Fim do Mundo”, parceria com a minha mulher Alice Coutinho, tenho a possibilidade de ver uma canção minha alcançar uma popularidade impensável para um artista do meu tamanho, ainda que na maioria esmagadora das vezes, quem a ouve, não ter a menor ideia de quem a compôs. Como aconteceu em uma Virada Cultural de São Paulo, em que perto de 50.000 pessoas cantaram esta canção numa apresentação de Elza Soares, sem se darem conta que seus compositores estavam ao seu lado, no meio desta imensa plateia.
Você é muito atuante na cena musical independente do país, realiza documentários, trilhas sonoras, curadorias musicais, produção, direção de discos e shows de outros artistas, além de publicar textos sobre a música brasileira. É possível ter tempo suficiente para desempenhar tantas funções diferentes ligadas a produção musical? Como você lida com isso?
Costumo responder a esta pergunta apresentando as duas faces desta resposta, a primeira e menos glamorosa é a da sobrevivência. Como exposto na resposta anterior, desenvolvo minha carreira de forma independente, o que não me permite viver apenas do meu trabalho autoral, de alcance muito limitado, por isto a necessidade de realizar outras produções que não a minha própria. A face mais luminosa dessa resposta, é que por conta de uma respeitabilidade e uma certa importância conquistada por meu trabalho, tenho a possibilidade de só participar de produções com as quais eu me identifique de verdade e ao longo do tempo, tive a honra e alegria de trabalhar com os meus ídolos, com a já citada Elza Soares e Jards Macalé, artista central, importantíssimo para a minha música. E não apenas com os grande artistas com quem tive contato, mas também e sobretudo, com os artistas da minha geração e os ainda mais novos, tenho a chance de aprender com eles e me manter atualizado, pra depois levar todo esse aprendizado para o meu trabalho autoral.
Nos conte um pouco sobre Romulo Fróes.
Romulo Fróes é um compositor brasileiro. Nascido em São Paulo no ano de 1971, filho de migrantes, o baiano seu Antônio, fã de Orlando Silva, Jamelão e Jacob do Bandolim, a mineira dona Irene, fã de Emilinha Borba e Cascatinha e Inhana e pai de Olga, ainda formando seu gosto musical, mas já fã de Gilberto Gil.
O que é o projeto “Agora é minha voz”, exibida no YouTube?
“Agora é Minha Voz” é um projeto contemplado pela Lei Emergencial Aldir Blanc, que registra minha produção discográfica solo autoral, do modo como minhas canções nascem, em seu formato primordial de voz e violão. São seis episódios gravados em locações, algumas delas emblemáticas para a cidade de São Paulo como o Edifício Copan e o Edifício Mirante do Vale e outras, importantes para a minha história pessoal, como as ruas do centro da cidade onde comecei a trabalhar de office boy aos 15 anos de idade ou o atelier do artista plástico Nuno Ramos, amigo e parceiro de composição, de quem fui assistente por quase duas décadas.
O que o fez seguir a carreira musical? Em sua visão, porque as pessoas são tão apegadas à música?
É difícil dizer o que me fez seguir a carreira de música, talvez algo a que costumamos chamar de dom, mas no meu caso não exatamente um dom pra música e sim um certo pendor, desde muito pequeno, para as artes e que primeiro se revelou através do desenho, o que me levou a cursar a faculdade de Belas Artes. Mas mais do que isso, acho que o exemplo do meu pai que ouvia muita música em casa e sem que nunca me chamasse a atenção para o que ele ouvia, coisa que muitas vezes os pais acham que devem fazer, me aproximou da música brasileira, sobretudo a produzida durante a chamada época de ouro do rádio, durante os anos de 1930 até 1950. Sem que me ensinasse nada, seja ouvindo seu repertório predileto formado por discos de Orlando Silva, Francisco Alves, Jamelão cantando Lupicínio Rodrigues acompanhado pela Orquestra Tabajara, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Pixinguinha, entre muitos e muitos outros, seja cantando enquanto lavava louça, com sua voz linda e poderosa, ao estilo de seus ídolos, este exemplo foi importantíssimo para a minha formação pessoal e também na construção da minha música. No disco que lançarei em breve eu canto a canção predileta do meu pai, “Aos Pés da Cruz” (Zé da Zilda e Marino Pinto), que é a minha primeiríssima memória musical, cantada por meu pai o tempo todo.
Acho que as pessoas são apegadas à música por motivos como este que acabo de relatar. Não só a música, mas a arte em geral, em tempos tão duros como este que estamos todos vivendo, é fundamental para atravessarmos por ele. Eu adoro a sentença de Ferreira Goulart, tantas vezes repetida por ele e que pra mim é a melhor definição de arte já construída: “a arte existe porque a vida não basta”.
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