Com voz doce e forte presença de palco, a cantora e compositora peruana oferece aos internautas do Brasil e do mundo uma rara oportunidade de transitar pela música latina contemporânea, com generosas pitadas de jazz, world música e, claro, música brasileira raiz.
Martha Galdos apresenta o show COLORES em seis shows transmitidos na Internet. A artista traz na veia a ancestralidade herdada do pai, o pintor Enrique Galdos Rivas. O espetáculo é parte da programação do ProAC Expresso LAB da Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo (Lei Aldir Blanc).
Aquariana, nascida no dia de Iemanjá, 2 de fevereiro, Martha trafega pelos ritmos folclóricos do Peru, fortemente influenciada pelos sons do Brasil, compondo a “matriz de três cores”: afro (landó, panalivio, festejo), andino (huayno) e amazônico (cumbia). Ela conta que sua menina interior a levou a trocar a carreira de comunicadora pela arte aos 27 anos (para sorte dos ouvidos mais apurados).
O contato com a música veio de casa, ao lado do pai, da mãe e da irmã, todos cantores. Com a vocação natural reforçada por aulas de canto, artes cênicas e clown, Martha ganhou o mundo e se apresentou em diferentes países, incluindo Peru, Brasil, Panamá e China. Participou de shows ao lado de nomes como Luís Represas (Portugal), Richard Barshay (percussionista de Esperanza Spalding, Estados Unidos), além dos brasileiros Dante Ozzetti, Patrícia Bastos, Simone Sou e Renato Braz. Confira a entrevista:
Quais as dificuldades que você enfrentou com a sua representatividade latina na música?
Falar de latino é amplo. Temos influências africanas, indígenas e europeias, e em cada região do continente, cunhou-se de uma forma peculiar. Falaria que as fronteiras politicas como as entendemos hoje sao limitantes, para descrever a complexidade e diversidade cultural e musical. A música brasileira que também é muito diversa, para o mundo é considerada música latina. Para muitos brasileiros, a música latina é aquela que é cantada em espanhol. Definitivamente, lançar uma carreira para uma cantora hispana num mercado cujo consumo supera o 70% de música local como o Brasil, é um belo desafio.
Quais as influências que você trás nas suas composições?
Comecei a compor de maneira intuitiva em 2017. Mas já vinha guardando escritos na gaveta de antes. Geralmente ouço alguma música que curto, e de repente aparece a inspiração, geralmente de madrugada. Já fiz músicas em ritmos diversos de origem afro, andino com pinceladas do contemporâneo, e as vezes nem sei dizer de onde elas chegam. As temáticas dessa primeira fase, abordam assuntos além do amor romântico, mais reflexivas sobre a plenitude de ser, o propósito de vida, os carnavais e a significação de entidades como Iemanjá, e Virgem da Candelária, o 2 de fevereiro celebra-se o dia das duas, e é justamente o dia do meu nascimento.
Acredito na construção de uma criação transversal e bilíngue, parcerias com músicos locais. Porém, eu bebo de diversas fontes, a música que crio não se fecha num folklore só. E eu procuro ir além no encontro da mensagem, e os ritmos chegam como consequência. Desde já, como peruana, propus o que chamaram uma matriz de três cores, afro, andino e amazônico. Desse primeiro mergulho, outras ramificações estão nascendo, é uma descoberta constante.
A sua ancestralidade tem papel fundamental na sua paixão musical, o que nos trás uma reflexão sobre responsabilidade social. Como você se sente fazendo tal contribuição?
Acho que assumir nossa ancestralidade, é um reconhecimento necessário. Honrar não só o que chamamos nossa árvore genealógica, mas os grupos e culturas diversos. E entender que somos parte de uma grande tecelagem, que cada ação repercute, que cada palavra e mensagem que lançamos ao mundo, vai influir nos outros. Que se conectar com nossas raízes é uma maneira de trilhar ciente dos que vem antes de mim, e dos que cuidam nosso entorno. E como nós somos parte disso. Quando canto e falo de um pajé, ou um altomisayoq (sacerdote na cultura andina), se falo de uma montanha, o um apu (montanha em quéchua), sempre estamos considerando a natureza e a sabedoria que vem dela. Isso tudo pode estar numa canção que reúne uma mensagem universal.
Velhos padrões precisam ser repensados para que possamos dar voz, lugar e papel para que verdadeiras mulheres possam ver suas conquistas diárias e valores na sociedade. Como mulher, como você acredita que possamos começar essas mudanças?
É importante trazer essa reflexão com as crianças. Observamos isso até nos filmes infantis atuais, que mostram que o amor verdadeiro não é mais o príncipe encantado. O valor do feminino é também reconhecer essa energia que habita em homens e mulheres, faz parte da essência do ser humano. O intuito, a capacidade de receber saudavelmente, a criatividade, a arte, o cuidado. Nosso poder feminino tem sido causa de medo, muitas vezes acusadas de loucas, nervosas. Nem falar, da queima das bruxas, mulheres sábias que conheciam o uso das plantas e ervas e seu corpo. E claro, somos cíclicas, e estamos aprendendo a reconhecer nossa beleza além dos padrões, celebrando o diferente também, e aprendendo a honrar uma expressão única, autêntica.
Faz parte da trilha de se auto conhecer. Durante décadas tentamos avançar com padrões masculinos, como a concorrência, uma que leva até ter inveja entre mulheres. Hoje estamos voltando a esse tecido sutil de apoio entre mulheres, a sororidade. Melhor estar unidas que numa competição. Ocupar nosso lugar de mulher na sociedade, é um ato político. É importante justamente abrir e criar espaço para nos expressarmos, lugares que predominantemente tem sido só masculinos em áreas de liderança. Uma das coisas que mais me dá algria por exemplo, é poder criar um festival de mulheres, o MUJER SÁBIA FEST, que vai desde 15 até 17 de abril, graças a lei Aldir Blanc.
Entre os meses de fevereiro e março, você veio apresentando o show COLORES com transmissão pela Internet. O curioso é que a cada show, é utilizado uma temática diferente. O que levou a esse formato de diversidade? Como tem sido a aceitação do público com a apresentação?
COLORES, é uma síntesis de um processo que envolve minhas raízes peruanas, e ao mesmo tempo, o diálogo criado com o ancestral. Por um lado a temporada está inspirada também na cosmovisão andina, que remete a manifestação das 7 cores, o arco-íris, símbolo tanto de doença como de transformação para meu povo. Ao mesmo tempo, as temáticas trazem as fontes que bebo, que conversam entre si, que fazem parte da minha história. O público tem recebido bastante bem as apresentações, e acho que é uma bela oportunidade para mergulhar comigo nessas buscas.
Algo que sempre gosto de perguntar é: o que te levou a seguir a área da arte?
Nasci num berço de artistas, pai pintor e cantor, mãe, irmã cantam também. Meu professor de canto é meu cunhado, meus sobrinhos são músicos. Ainda assim eu decidi seguir a carreira artística aos 27 anos, gostaria de ter começado antes, mas tudo tem seu tempo. Hoje com 39 anos, me sinto satisfeita de ter feito essa eleição. Cantar, escrever canções e poesias, é entrar na sutileza, é representar uma história, e ao mesmo tempo conectar com uma sabedoria interna.
Para todas as mulheres do mundo, qual a mensagem que você deixa?
Sejam corajosas em descobrir e desenvolver seus talentos, seus chamados, em abrir o coração e as asas para serem livres, e manifestar seus sonhos. Independentemente que tenhamos escolhido ou não a maternidade humana, o poder sexual e criativo unido ao coração nos leva a ‘maternar’ também nossas vidas, carreiras, projetos.
Além desse show, existe mais algum projeto para o futuro?
Sim, teremos a primeira edição do MUJER SÁBIÁ FEST, (15 até 17 abril) um festival que idealizei e reúne mulheres cantoras que promovem na sua música a união do eixo Brasil-América Latina em reconhecimento da ancestralidade, força feminina e liberdade humana. Antes de metade de ano pretendo lançar meu primeiro single no Brasil com um videoclipe, em parceria com Dante Ozzetti na música e Joaozinho Gomes na letra. A canção Aya T’ika, está no repertorio de todos os shows online que estou apresentando, assim como no festival.
Para os leitores que não a conhecem, nos conte um pouco quem é Martha Galdos.
Martha Galdos, é um espirito inquieto que gosta de explorar a voz falada e cantada, e escolheu o caminho do canto e composição. Limeña, peruana, performática, poliglota. Martha bebe de diversas influencias e cunha uma sonoridade peculiar em canções que parecem orações, e ao mesmo tempo parecem eternas, contemporâneas. Filha de Iemanjá, a artista possui uma presença cénica muito expressiva que revela suas emoções a flor de pele, sem barreiras de língua ou estilos.
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