Madalena renasce, ressurge e se ressignifica no novo single do cantor, compositor e instrumentista Lucas Adon. A faixa, batizada em homenagem à filha do artista e composta ao lado da jornalista, diretora artística e parceira de vida Carol Tavares, é uma celebração da vida que existe e resiste mesmo confinada, trazendo uma reflexão sobre a parentalidade no isolamento e sobre a criação de vínculos em tempos de distanciamento. A canção estreia com um clipe e já está disponível nas plataformas digitais.
A gravação intercontinental reuniu instrumentistas entre Brasil e Espanha, onde Lucas reside atualmente. A faixa mescla ritmos como baião, samba e rock e conta com Bruna Caram no acordeon, a sergipana Jeca Mó no vocal e o recifense Dan Marinho, autor do livro “Tambores en el Silencio”, no pandeiro triângulo e zabumba, todos direto de Barcelona. Do Brasil, contribuíram Gabriel Guilherme (Chico Pinheiro, Arismar do Espírito Santo, Sophia Abrahão) na bateria, finalização e masterização e Paulo Afonso Tchê, pai de Lucas, no contrabaixo. Confira a entrevista:
Com o terceiro disco já anunciado, a música “Madalena” foi composta em homenagem a uma pessoa muito querida em sua vida, sua própria filha, e que traz para esse momento uma reflexão sobre a paternidade. Como foi trabalhar nessa canção e qual significado ela ganhou após produzi-la?
A canção nasceu na inspiração genuína dos primeiros dias de vida da Madalena. E veio como uma reflexão sobre ser pai e mãe feministas de uma menina num mundo machista, e também pandêmico, já que ela nasceu poucas semanas antes do confinamento geral. Ela ganhou esse significado de luta e esperança num mundo em reconstrução.
Desde março do último ano, o mundo foi surpreendido com esse isolamento provocado por esse vírus que mesmo após um ano ainda aterroriza a vida de milhares de família, porém, aproxima muitas pessoas que em tempos normais não valorizavam tanto essa união. Que mensagem você deseja passar como artista para essas pessoas?
Importante dizer que a politização da saúde é saudável. Eu fui trabalhador da saúde do SUS como psicólogo e não dissocio do meu trabalho de artista a perspectiva política. Então quero trazer uma mensagem de esperança, mas realista, com confiança nessa luta feita a partir do amor será possível se trabalharmos em coletivo, em União. É importante valorizar isso neste momento.
Esse single também chegou repleto de curiosidades, desde uma composição intercontinental, misturando instrumentistas do Brasil e da Espanha até uma mesclagem de ritmos que foram combinados para chegar ao resultado final. Quais foram as receitas que o fez chegar a combinação ideal para que “Madalena” nasce-se?
Eu gosto de tocar com quem eu me identifico, fazer música é como fazer amor nesse sentido. Então quis continuar com parceiros antigos mesmo sem uma obrigação monogâmica rs. Eu sempre gostei de rock n’ roll e de misturar ritmos e unir tribos, me considero meio camaleão neste sentido. Comecei a música com duas cordas, bem singela e quando fui colocar acordes vi que ela poderia crescer e de baião foi pra samba. No refrão veio uma coisa mais pro rock, meio AC/DC meio The Who, e o riff é o mesclado mesmo da guitarrada do forró. Acho que no meu trabalho todo a mistureba é a tónica, como a miscigenação intercultural brasileira de um paulistano da Mooca que convive com o mundo.
O novo single foi uma vertente do que será o disco “Nous e o dia que descobri que Deus não está no céu”. Poderia nos explicar melhor como foi a criação do nome do álbum e como estão sendo suas expectativas para que sua obra chegue finalmente ao público?
A Carol Tavares, mãe da Madalena e minha companheira de vida, assina a direção artística do disco e dos meus vídeoclipes. Ela veio com o nome depois de escutar o disco inteiro cru no violão. Não somos católicos, mas somos espiritualistas e as músicas tem reflexões sobre esta perspectiva humana. Estamos lendo e estudando os Evangelhos apócrifos que não entraram na Bíblia e Nous é um conceito chave no Evangelho de Maria Madalena. Não foi a toa o nome que colocamos na nossa filha. Então minha expectativa de colocar um ser e um disco no mundo é que eles possam coexistir de forma mais saudável no meio e só vejo isso acontecendo se tiver provocação e reflexão. A gente sentiu que isso já aconteceu com a primeira faixa. Nous seria o “olho do coração”, o lugar em que realmente o divino habita em cada um. Nós colocamos nosso Nous nessa canção e pudemos sentir que isso fez atingir as pessoas de uma maneira muito sincera também.
A ideia do seu trabalho consiste em crer que não é preciso instituições para encontrar Deus ou a salvação, indo ao oposto do que as religiões pregam. Essa afirmação se remete a uma tentativa de provocação para tais religiões?
Definitivamente! Provocar é o que me move enquanto artista e psicólogo. Questione, e reflita e questione de novo até não sobrar pedra sobre pedra. Ali estará algo mais depurado sobre a sua verdade. Música é sentir, é experiência e quero trazer esse questionamento. As religiões institucionalizadas com seus dogmas, leis e estaturas de poder são as responsáveis pela escravidão das mentes e corações das pessoas muito mais do que de suas libertações. Não há nada errado em ter uma religião, mas que não seja baseada na culpa e no medo. Também sou contra as instituições da escola, hospitais, política, que seguem o mesmo padrão. E na música expresso este sentimento.
Você iniciou na música aos 16 anos. Nos conta um pouco quem é Lucas Adon e o que o levou a seguir essa área.
Ter pai na área influencia muito, não tem como. Neste caso foi uma faca de dois legumes mesmo. Meu pai foi compositor do Bambalalão, programa da TV Cultura da década de 80. Mas nem sempre conseguiu viver de música. Com 16 percebi que gostava de tocar e compor para “exorcizar demônios”, como forma de terapia. O que me motivou foi isso, meu autoconhecimento e meditação. Aos 20 fui tocar no teatro infantil por uma adaptação de um livro do meu pai e fiquei 10 anos, descontinuadamente, trabalhando com isso, é então percebi que dava pra ganhar uma grana e subsistir com música e arte, mas não de forma estável ao meu ver. Não quis me arriscar. Sempre continuei compondo de forma compulsiva em todas as fases da minha vida, então é o que eu faço.
Aprendendo a tocar violão por influência do pai, você espera também passar esse amor pela arte para a pequena Madalena?
A Arte dá sentido a vida. Como diz o Criolo “leva num sarau, salva essa alma aí”. Então sim que seja dança como a mãe que é bailarina, seja a música ou o teatro, quero influenciar Madalena a descobrir seus caminhos de expressão artística para uma existência mais rica. Ela já dá sinais de que também gosta. Vive dançando, vai a shows (dentro das regras de segurança) e presta atenção de maneira silenciosa. É bonito de ver.
Como é unir o trabalho na música, teatro e psicologia?
É perfeito. Me deixa muito feliz poder encontrar formas de fazer este encontro. Partindo de uma área para o outra e versa-vice. Eu me formei psicólogo estudando o psicodrama, que é a expressão dramática da psique em terapia. Consegui levar o grupo de uma oficina terapêutica do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) de Mauá para o clipe da música Desencadeou. Fiz uma música pra luta antimanicomial com pessoas usuárias em tratamento. Associei uma música pra cada fase do luto na perspectiva da escala Kubler-Ross no meu último disco “Do Luto à Luta”. E tem outras formas vindo aí, as pessoas precisam de arte e saúde mental! O mundo precisa de mais saúde. Grato pelo interesse e a entrevista!
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