Em 2002, com apenas 19 anos Priscilla Kajihara saiu de São Paulo e foi para o Japão em busca de oportunidades e uma vida independente. Nos primeiros dez anos morando no país, trabalhou em fábricas, com extensas cargas horárias de trabalho e remuneração baixa, mas, em contrapartida, sempre que conseguia um tempo livre, investia em autonomia.
Dotada de um espírito empreendedor, criativo e versátil, vendia produtos e artigos, como bijuterias que ela mesma fazia, cosméticos e até decoração para festas. Dessa forma, conseguia além de dinheiro extra, aprender mais sobre o mundo dos negócios, para um dia empreender. Formada em Administração de empresas pela Faculdade Internacional AIEC no Japão, utilizou todos os conhecimentos adquiridos para fundamentar sua carreira e organizar a vida pessoal.
Em 2013, uma notícia colocou seu mundo de pernas para o ar. Ela acabava de ser, aos 29 anos, diagnosticada com câncer de mama. A doença se desenvolveu de forma tão agressiva que em apenas dois meses e antes da cirurgia já marcada, o câncer do estágio I, no qual a chance de cura é maior, evoluiu para o estágio III, que é quando o paciente corre risco de vida e as chances de ocorrer mestástase aumenta. No caso dela se espalhou para os linfonodos da axila direita.
Foram oito horas de cirurgia. Priscilla fez mastectomia, precisando retirar a mama por completo e todos os linfonodos do braço direito. Nos meses seguintes ela se submeteu à quimioterapia e em seguida foram mais 25 dias consecutivos de radioterapia localizada.
Após 14 dias da primeira sessão de quimioterapia, seus cabelos começaram a cair e em menos de um mês já havia perdido todos os pelos do corpo, e aderiu ao uso de lenços e perucas. No início foi muito difícil se acostumar com a perda dos cabelos, porém, com o tempo aprendeu a ver a vida de uma forma diferente e logo estava se achando linda, por isso, abandonou as perucas e depois foi a vez dos lenços.
Hoje curada, ela transparece, com brilho nos olhos, a força de quem venceu e ressignificou a luta. Tudo o que viveu trouxe mais garra para a brasileira encarar novas batalhas, como a recuperação do braço direito, do qual ficou com sequelas. No total foram oito cirurgias tentando religar alguns linfonodos e remover o inchaço.
Embora os acontecimentos tenham trazido dificuldades e imposto restrições, Priscilla jamais permitiu que as mesmas determinassem seu destino. Deste modo, desistir nunca foi uma opção para ela.
Trabalhar com micropigmentação era um sonho e estar curada de um câncer tão severo a fez decidir que era hora de investir nesse processo. O cuidado com as sobrancelhas era uma antiga paixão, que ela cultivava desde muito nova. Cuidava pessoalmente das suas, o que sempre chamava a atenção das amigas que ficavam admiradas com a perfeição dos resultados. Confira a entrevista!
Soubemos que você saiu do Brasil em direção ao Japão ainda com 19 anos para buscar novas oportunidade de vida e se tornar independente. Essa decisão foi difícil para ser tomada ainda tão jovem? Como foram seus primeiros anos se adaptando ao país oriental e quais foram suas maiores dificuldades?
Eu fui para o Japão quando tinha apenas 19 anos de idade, e tinha um super sonho de me tornar independente muito rápido, e foi essa oportunidade de ser descendente que me fez parar aqui no Japão. Eu tive que tomar essa decisão muito rápido, porque foi, uma tia minha tinha falado que iria vim para o Japão e perguntou se eu queria, isso acho que foi de um mês para outro, nisso eu fiquei pensando que era uma oportunidade assim muito única. Decidi na hora que iríamos para o Japão. Antes disso, eu nunca tinha pensado em vir para o Japão, mas neste momento quando a minha tia falou que ia vir, eu decidi na hora ir com ela. Foi uma decisão muito rápida, mas bateu aquele medo sim. Será que eu devo ir mesmo; Meu Deus, um país totalmente diferente no outro lado do mundo, não sei a língua, não sei os costumes … eu não tinha. Apesar de ser descendente japonesa, não tinha contato com descendentes de japoneses no Brasil, porque, a minha mãe e a minha família foram morar longe da família dela, então, a gente sempre foi muito distante dos parentes.
Eu também não tinha contato com a comida, eu não tinha contato com o idioma, minha mãe nunca falou japonês com a gente, não sabe falar japonês, ela aprendeu poucas palavras em japonês, então para mim foi realmente um choque cultural assim que eu cheguei aqui no Japão.
Foi muito difícil mesmo me acostumar com a comida, me acostumar com as pessoas que têm costumes diferentes, até mesmo ao se cumprimentar, ao conversar, é tudo diferente. O fato das pessoas não me entenderem e não entenderem elas também foi um dos maiores desafios que é a língua japonesa. Nos primeiros anos, eu não conseguia nem comer a comida daqui, então foi bem difícil, mas como tudo nessa vida, o ser humano é super adaptável. Eu sou uma pessoa que se adapta bem rápido as coisas também, então, logo no primeiro para o segundo ano, eu já estava super adaptada aqui, e eu acho que o mais difícil mesmo não foi nem tanto a língua e nem tanto a comida, foi mais as relações pessoais que a gente tinha no trabalho. Eu nunca tinha trabalhado no Brasil, só fazia artes plásticas, pintava, ajudava minha mãe nos negócios dela, mas eu nunca trabalhei para outra pessoa, e aqui não aqui. Eu comecei trabalhando numa fábrica de alimentação, se não me engano, eu não lembro direito, mais, nossa, o convívio com outras pessoas e o trabalho corrido, muitas horas de trabalho, esse sim foi o maior desafio de verdade.
Nos seus primeiros anos no Japão, você chegou a passar por um tipo de emprego que muitas pessoas passam em relação às fábricas que ocorrem com Colombianos entre outros cidadãos que se tem origem de outros países, que foram as extensas jornadas de trabalho e com remunerações baixas. Esse tipo de trabalho é muito presente no país? Como são as oportunidades de trabalho na cultura japonesa?
Esse tipo de trabalho é muito comum no Japão. Os brasileiros Inclusive, a maioria, 100% a 99%, vem para trabalhar em fábrica, e aqui as fábricas, elas contratam os estrangeiros para fazer o trabalho pesado mesmo, que são com horas extensas de trabalho, às vezes 12 ou 15 horas de trabalho em um dia. Você faz muitas horas extras, não tem folga praticamente. Tudo em um dia na semana, isso quando às vezes fazem turnos diferentes de dia e a noite.
A carga horária de trabalho aqui no Japão, é bem pesada mesmo. Só uma coisa que eu tenho que discordar que é a remuneração baixa, então, por exemplo, lá na Colômbia, na América Latina, com certeza, a remuneração deles deve ser baixa, mas aqui no Japão não. A remuneração aqui é alta comparada com o Brasil. O iene é uma moeda super forte, então, a gente ganha muito bem aqui, mesmo trabalhando em fábrica. Tem pessoas que vivem melhor do que no Brasil, mesmo trabalhando em fábrica. É só as horas de trabalho mesmo que são longas. O que acontece, isso era há 20, 10 anos atrás, hoje em dia, aqui no Japão já se criou uma comunidade brasileira, eu falo de comunidade, não são as regiões mais pobres, as favelas e essas coisas. É que aqui tem uma junção de brasileiros em locais específicos do Japão. Então, hoje em dia tem muitos empresários aqui também, eu sou uma delas. Eu estou empreendendo no Japão e assim como eu, tem vários empreendedores e em várias áreas para poder suprir a demanda dos próprios brasileiros que estão aqui. Isso é uma coisa bem legal, mas todo mundo que chega aqui de paraquedas e de primeira viagem, com certeza vai trabalhar para as fábricas mesmo, que são trabalhos bem pesados com longa cargas de horário. As pessoas que vem para cá, elas têm como objetivo juntar uma grana muito boa, juntar dinheiro para poder votar para o Brasil e ter uma vida melhor. Então, eu acho que hoje em dia tem oportunidade para quem quer empreender aqui também, antigamente não tinha, mas hoje sim. Quem quer empreender consegue hoje no Japão. Isso é uma coisa bem legal, mas também quem não quer empreender, vem aqui, junta dinheiro e vai embora. É bem comum isso acontecer também.
Uma das maiores qualidades que podemos observar em uma pessoa que busca a autonomia e independência financeira é justamente o espírito empreendedor e criativo, sendo capaz de se adaptar e explorar oportunidades no ambiente em que se encontra. Como foi o início de sua vida como empresária em solo internacional e o que a deu a motivação para criar o seu negócio?
Eu acho que eu sempre tive o espírito empreendedor por causa dos meus pais, eles eram empreendedores, então, acabei trazendo isso para minha vida também. Apesar de ter trabalhado em fábrica aqui no Japão, eu nunca aceitei essa situação na minha vida. Eu sempre queria fazer alguma coisa a mais, e eu sempre fiz outras coisas que me davam dinheiro separado do trabalho. Então eu tinha um trabalho que me dava um salário, mais as coisas que eu fazia por fora. Eu já cheguei a fazer muitas coisas pequenas, por exemplo, já cheguei a fazer unhas em acrílico, aquilo era muito legal, era uma coisa que estava começando. Foi há uns 10 anos atrás, eu já fiz brinco, brincos de linha, era uma super tendência na época, eu já tive uma loja virtual que vendia acessórios, bolsas, roupas, maquiagens, e por aí vai. Mais, tudo aquilo que eu fazia, eram coisas que não me davam aquela sensação gostosa de quando você tá fazendo alguma coisa com você ama e sente uma coisa no coração assim “nossa, que gostoso fazer isso”, e eu nunca senti essa sensação com essas outras coisas que eu fazia.
Aqui no Japão, a gente tem um termo que é muito legal e que se chama “WakoWako”, que é justamente essa sensação de quando você faz uma coisa gostosa. Então, aqui a gente fala assim, se você encontrou seu propósito, se você está fazendo uma coisa faz sentido na sua vida, você sente aquele “WakoWako”, sente aquela coisa gostosa no coração, e eu não sentia essa sensação nessas outras coisas que eu fazia. Quando eu tinha 25 anos, eu comecei a fazer sobrancelhas, comecei a fazer design de sobrancelhas. Por incrível que pareça, eu senti esse “WakoWako”. Fale “Nossa, que coisa legal. Gostei muito!”. Então, eu já tentei várias coisas, mas o que realmente aqueceu meu coração foi trabalhar com sobrancelha, foi trabalhar com a mulher. O meu empreendedorismo aqui já começou faz um tempo, sempre tentei empreender, mas só foi dar certo mesmo porque eu realmente descobri uma coisa que eu amava fazer. Eu comecei super pequenininha, eu fazia as minhas sobrancelhas primeiro, daí minhas amigas viam que estava bonita e perguntavam quem tinha feito. Eu comecei a fazer as das minhas amigas. Eu não cobrava nada no começo, fazia tudo de graça, mas depois como eu senti essa coisa gostosa, falar “nossa, que legal fazer isso”, eu fui me especializar. Fiz um curso de design de sobrancelhas, daí comecei cobrando pouquíssimo, um valor bem baixinho, e aí foi aumentando conforme foi passando o tempo. Depois de uns anos, eu fiz o curso de micropigmentação, aí que realmente começou a ficar grande. Depois que meu nome ficou conhecido aqui no Japão, a gente viu que era uma oportunidade muito grande de formalizar tudo, então abri uma empresa aqui, tem hoje o meu estojo. Então, tudo foi assim que começou, com uma simples design de sobrancelha, mais o empreendedorismo nessa vontade de ter independência financeira, já me acompanha durante toda a minha vida.
O ano de 2013, provavelmente foi um capítulo que a assustou muito, pois foi a época que descobriu o câncer de mama de uma maneira bastante agressiva tanto que em uma semana ele passou do estágio I para o III. Essa “sobrevivência”, por assim dizer, trouxe uma nova maneira de observar a vida?
Com certeza. Quando a gente descobriu que eu estava com câncer, foi muito desesperador. Eu não sabia o que ia fazer, não sabia o que ia acontecer. Só corrigindo aqui, não foi uma semana, o estágio passou em um mês. Em 2013, eu descobri um caroço no seio direito, ele estava pequenininho ainda, achei estranho. Falei para o Gustavo, só que a gente nunca acha que vai ser, a gente acha que tem outros carocinhos, não sei, não deve ser, então deixei passar mais um tempo. Esse carocinho cresceu um mês depois ele cresceu, e foi aí que veio aquele medo mesmo – “nossa, isso não é normal” – Foi então, que a gente foi em um médico, fizemos primeiro uma mamografia, e quando a gente fez a mamografia, a máquina espremeu o meu peito e apertou o caroço, e na hora começou a sair sangue pelo meu pelo bico do peito. Isso foi o mais desesperador, foi a hora que eu falei – “não, é câncer – Eu lembro que na hora, eu chorei, a médica estava junto comigo, ela tentou me acalmar e falou que iríamos ver o que era.
Naquele momento eu já tinha certeza que era um caroço, que tinha crescido e que apertou e saiu sangue pelo bico do peito. Daí, eles fizeram todos os exames que precisavam e confirmaram que era câncer de mama e ainda estava no estágio I. Depois disso, eu fui encaminhada para um hospital maior que era uma universidade do local em que eu morava. Lá o médico me falou assim: “Não se preocupe. Você ainda tem uns seis meses, e esse câncer não vai evoluir. Está no comecinho ainda, então, não se preocupa”. Acabaram não marcando a minha cirurgia logo de imediato. O que aconteceu foi uma coisa muito grave, esse câncer que estava no estágio I, um mês depois, após ele falar que em seis meses não ia evoluir, ele acabou evoluindo para o estágio III. Ele era um câncer mais agressivo, então, voltamos ao hospital, nós tínhamos consultas frequentes, mas nesse mesmo mês, esse médico que tinha falado que não ia evoluir o câncer, ele foi transferido para outro hospital, e entrou uma médica mulher que é a que me acompanha até hoje. Ela viu o estágio do câncer, e falou que iriamos ter que marcar a cirurgia imediatamente.
Então, se não fosse por causa desse médico, talvez o câncer não tivesse evoluído tanto, porque ele estava muito agressivo, mas acho que foi Deus que tirou ele do caminho e colocou uma médica melhor e por mais que o fato do câncer ter evoluído, isso quer dizer que ele já tinha dado metástase, que é quando ele espalha para o restante do corpo, para outras partes do corpo, e no meu caso foi pela linfa. Do seio ele passou para os linfonodos do braço direito. Então, é por isso que hoje, na mastectomia, eu tive que fazer a retirada total do seio mais a retirada de todos os linfonodos da axila, então, por isso que me deu esse problema no braço, que hoje é uma sequela chamada linfedema. O braço não tem como puxar os líquidos, as toxinas, não tem linfonodos para fazer essa retirada do líquido do corpo, no meu caso, o braço. Então, se tivesse feito a cirurgia no estágio I, provavelmente não teria tido essa sequela, só agravou o quadro, por falta de um médico ter realmente marcado a cirurgia rápido, e não esperado. Hoje, está tudo certo, já não tenho porque reclamar disso, porque já é uma coisa que não vai ter como voltar atrás, já aconteceu, e eu tento viver da melhor maneira possível com as minhas limitações.
Hoje em dia, eu faço um trabalho super minucioso com o braço direito, e eu lembro que na médica, depois que tudo aconteceu, a cirurgia, a quimioterapia, o linfedema que se agravou no braço, a médica falou para mim: “Olha, você não vai mais poder trabalhar com ele”. Eu falei – “Meu Deus, e agora, o que eu vou fazer” – mais eu já empreendi com outras coisas na internet, já tinha uma lojinha virtual. Então foi tudo um processo. Eu sabia que não ia poder trabalhar mais manualmente, mas outras coisas, eu sempre tive a consciência de que eu poderia fazer. Mas isso dela falar que eu não poderia mais trabalhar com o braço, foi uma coisa que chocou bastante, que eu não posso carregar peso com esse braço, eu não posso fazer esforço, eu não posso fazer movimentos bruscos. O meu braço ficou sem movimento acima do peito. Eu não conseguia levantar o braço porque teve o ligamento do seio até o ombro que desconectou na cirurgia, então, por causa da cirurgia de retirada dos linfonodos, eu não consegui levantar ele. Eu fiquei 2 anos fazendo fisioterapia no braço para tentar voltar ao movimento e graças a Deus, hoje o meu movimento voltou totalmente. Esses dias, eu fui escrever uma cartinha para uma cliente, que eu tinha feito o Dia das Mulheres aqui, e eu reparei que a minha letra já não é mais a mesma, porque eu não tenho mais força no braço para escrever, então eu vi que a minha letra mudou, não tá mais bonita como antes. Mas, quando eu trabalho, eu não sinto nada no braço. Eu tomei remédios muito fortes para a dor da cirurgia. Aqui no Japão, tem um remédio que chama Lyrica, e ele é pra dor depois de cirurgia. Então, eu sempre senti muita dor no braço até hoje, mas eu acho que é uma coisa de Deus, porque na hora que eu estou trabalhando, eu não sinto absolutamente nada, e outra que é um trabalho super minucioso, que eu consigo ter uma precisão muito grande para fazer cada fio, para fazer o desenho da sobrancelha, e para mim, isso é um milagre.
Eu não tenho outra explicação na minha vida, é um dom divino, porque se fosse ouvir minha médica, eu não poderia fazer nada, se eu tivesse acreditado naquilo lá. Eu nunca deixei o meu braço criar alguma limitação, eu sempre acho que posso fazer tudo, e eu tento, e acho que a lição que trouxe para minha vida, depois que eu passei por todo esse processo de cirurgias, de quimioterapia, radioterapia, da sequela no meu braço, é que eu nunca mais vou deixar nada me impedir de fazer o que eu quero. Eu nunca mais vou esperar ou procrastinar alguma coisa, porque eu sei que a vida é muito curta, a gente pode perder ela num piscar de olhos. Eu tive a minha vida por um fio, se eu tivesse passado para o estágio IV, já não tinha mais expectativa de vida, era seis meses no máximo. Então, eu cheguei ali no limite e hoje eu tenho essa consciência de que a vida é muito importante, é muito curta, e que a gente deve aproveitar o máximo e fazer tudo que a gente quer nessa vida.
Qual foi o primeiro pensamento que passou na sua mente ao descobrir a doença? E como foi o seu processo até finalmente conseguir se curar?
Eu acho que uma das coisas que foi mais importante para o meu processo de cura foi ter a certeza do meu coração de que essa doença não ia me vencer. Eu disse para mim mesmo, ela não vai me vencer. Eu tenho um amor muito grande pela vida e eu queria muito viver, portanto, eu não ia deixar essa doença acabar comigo e me vencer. Então, acho que foi essa certeza, quando a gente descobriu, o pensamento que veio na hora era do que iria acontecer, a gente fica se questionando “porque comigo”, acho que é algo normal do ser humano. Eu acho que o mais importante no processo de cura foi exatamente essa certeza e essa convicção no meu coração de que eu não iria deixar essa doença me vencer. Acredito que isso tenha sido crucial para eu correr atrás de tudo e fazer o processo dar certo.
Tem só um detalhe que eu preciso acrescentar que foi a força que o meu marido me deu – o Gustavo. Ele passou o tempo todo comigo, todo o processo. Foi muito firme, muito forte e me ajudou em tudo. Eu lembro de uma situação que aconteceu depois que eu já havia feito as cirurgias e que comecei a fazer a quimioterapia que teve oito sessões, e cada mês tinha uma. Eram quatro remédios para uma função e depois tinha os quatro últimos para outra. Esses remédios eram quimioterápicos que iriam ser injetados em mim uma vez por mês, porém, eles eram muito fortes. Em 14 dias, após a primeira dose eu perdi todos os cabelos, havia caído tudo. Eu passei uns dois anos inteiros sem cabelos. O tempo foi passando, cada mês ia fazendo uma quimioterapia, fiz as primeiras quatro, depois fiz a quinta, sexta, sétima, e cada vez eu ia ficando mais debilitada. Meu marido precisava ir trabalhar, eu tinha que ficar sozinha em casa. Me lembro que eu não comia durante o dia, só comia quando ele chegava, porque eu não tinha força para ir até a cozinha. O máximo que eu fazia era me levantar e escorar na parede para ir até o banheiro, mas eu estava muito fraca mesmo. É uma época que eu nem tenho foto nem vídeos, porque não dava, era uma situação em que estávamos sozinhos aqui no Japão, então foi uma fase muito difícil mesmo. Estava praticamente sozinha com o meu marido.
Já na oitava dose, que era a última, eu estava tão cansada que já estava pensando em desistir de tudo. Me dava aquele cansaço, porque quando você tomava a dose de quimioterapia, se passavam dois dias e aquele remédio começava a fazer efeito e eu podia sentir o cheiro do remédio saindo de mim pela minha boca, pela minha pele, era como se você estivesse intoxicado, como se fosse envenenado. Eu fico um pouquinho emocionada quando me lembro disso, porque na última dose eu falei para ele – “Amor, eu não aguento mais.” – eu queria desistir e não queria fazer a última dose. Ele foi crucial para eu ter força para fazer a última dose. Graças a Deus eu consegui terminar o tratamento.
Depois disso, a médica me deu um mês para descansar antes de começar a radioterapia. O tratamento foi logo em seguida, 25 dias sem parar de radioterapia no peito e na axila, eles marcam o quadrante para poder matar todas as células deste lugar. A radioterapia foi muito difícil também porque a pele chega a ficar em carne viva, ela queima. Essas partes onde foi feito o processo, ela muda e nunca mais volta a ser a mesma pele. Além de ficar rígida, ela fica com uma mancha grande devido à queimadura. O tratamento foi bem intenso. Isso porque eu ainda não falei da cirurgia.
Na cirurgia, eu me lembro de uma coisa que me marcou bastante, porque eu fiz num dia a cirurgia, a vasectomia, ela acabou levando mais tempo que o normal, umas oito ou nove horas,e estava previsto para seis horas no máximo. Foi muito difícil para a médica também. Eles me levaram para o quarto depois da cirurgia, e Gustavo não quis ir embora. Eles pediram para eu ficar sozinha, mas ele se recusou. Ele ficou comigo todos os dias, dormiu no sofá lá no cantinho e ele não aceitou sair do meu lado. Isso foi muito importante para mim.
Eu lembro que eu não vi a cirurgia por uns três dias, eu fiquei só na cama deitadinha, não vi. Depois de três dias, uma enfermeira veio e falou que era para eu olhar a cirurgia. Eles me levantaram e tinha um espelho do lado e eles abriram o meu roupão para eu poder ver a cirurgia. Na hora que eu vi o meu corpo daquela forma no espelho, eu passei mal na mesma hora, a minha perna perdeu a força e eu quase desmaiei, porque foi um choque muito grande. No momento em que você vê o seu corpo derformado, eles tiraram um pedaço de você né. É muito forte isso, acho que não tem nenhum ser humano que ficaria chocado. Você vê que amputaram uma parte de você.
Foi tudo bem intenso, e acho que essas coisas eu nem contei para ninguém. Acho que foi só para você eu estou contando e nem sei se isso vai ser usado também, usem o que acharem melhor. O processo foi longo, mas no final de tudo, eu sempre tive a certeza que não iria deixar o câncer me vencer. O apoio do Gustavo foi o que me deu força, foi a minha base.
Para os leitores que passam neste momento pelo mesmo que você já passou, qual mensagem você gostaria de deixar?
Para as pessoas que estão passando por isso que eu passei, por todo o tratamento, acho que o melhor conselho que eu posso dar é tentar deixar a sua mente sã. Acreditar na sua cura, eu acho que isso realmente é o mais importante, realmente acreditar que essa doença não vai te vencer. Você sairá vencedor desta fase que está passando e que é somente uma fase. Sempre tentar ficar perto de pessoas boas e com energias positivas, se afastar de todo mundo que te faz mal, tentar limpar todo o lixo mental que carregamos na vida, em relação aos traumas que temos, pessoas que não perdoamos, porque o câncer é muito emocional. O meu foi emocional de tanto coisa negativa que eu carregava. A pessoa tem que se limpar e tirar todo esse lixo da mente dela, além de ter a convicção de que vai realmente se curar.
Acredito que juntando tudo isso será um passo a mais que você tem para se curar. Lembre-se sempre que a vida é única, ela é curta, e que em um piscar de olhos a gente pode perder ela. Não deixe nada para depois, o que você quiser fazer, faça agora e faça hoje, porque depois você não sabe se vai estar lá para conquistar essas coisas e viver uma experiência que você estava procrastinando.
Após se curar, você entrou no ramo da micropigmentação, conhecendo a técnica microblading. Pode nos contar um pouco como funciona essa técnica? Qual é a técnica mais procurada pelas clientes?
Eu entrei no ramo da micropigmentação quando ainda estava em tratamento. Eu ainda não havia me curado totalmente. Foi uma coisa bem interessante porque eu já fazia design de sobrancelhas há muitos anos, e depois eu me especializei em micropigmentação, e foi tudo durante o tratamento, então, eu fazia o tratamento e também treinava. Nos primeiros anos, eu não havia ficado tão conhecida aqui no Japão, eu estava treinando bastante e em questão do meu tratamento também, mais depois eu fui buscar mais cursos, me especializei na fibra oca, que é a academia mais importante dos meus certificados, porque foi ela quem deu uma virada de chave para eu virar uma profissional. Hoje, eu sou especialista na técnica microblading, que é aquela fio-a-fio, feito com uma ferramenta diferenciada, aí no Brasil eles chamam de “tebori”, porém ele é conhecido como indutor manual.
Essa técnica evoluiu bastante nos dias de hoje, não só ela em si, mas como os materiais que usamos, as lâminas estão muito mais finas, muito menores. Os pigmentos também estão super evoluídos, estão com nanopartículas que fixam melhor na pele e que não mudam de cor. Antigamente, os pigmentos usados viravam uma cor fantasia, puxavam para o vermelho, para o verde e para o azul, hoje em dia isso não acontece mais. Eles são super evoluídos. Eu brinco com as minhas clientes que não tem mais desculpas para usar pigmentos ruins.
Tem muitas micropigmentadoras que usam produtos de má qualidade, mas isso é totalmente escolha delas, porque tem muita coisa boa no mercado. A técnica fio-a-fio é uma técnica onde vamos imitar os pelinhos reais, tentando fazer com que o design da pessoa fique melhor, porém seguindo sempre o natural e dando uns ajustes específicos para que a pessoa fique com uma harmonia no rosto. Eu costumo falar que fazemos uma harmonização facial pela sobrancelha. É muito interessante porque você olha para a pessoa e realmente vê uma transformação nela quando a gente estrutura a parte da sombrancelha com os olhos e com o rosto. É muito bacana e ao mesmo tempo traz essa naturalidade que ela proporciona que estão nesses fiozinhos super finos seguindo o caimento dos fios. Se eles nascem para cima, a gente faz para cima, e vice-versa. Realmente é uma técnica que está sendo muito procurada pelas pessoas e principalmente pelas mulheres, quase 100% pelas mulheres. Hoje aqui no meu estojo 90% dos meus atendimentos são com essa técnica.
Sabendo sobre sua vida em 2002 cheias de incertezas, para a de atualmente, onde você segue seus sonhos e vêm crescendo cada vez mais, quais são as maiores mudanças que você vê sobre si e o que você gostaria de mudar caso pudesse?
Eu acredito que o ser humano está em constante evolução e transformação, e comigo não foi diferente. Eu costumo dizer que antes do câncer eu era uma Priscila e depois do câncer, eu sou uma outra mulher. Isso foi justamente, porque quando eu tive o câncer, eu procurei essa evolução, procurei entender os meus sentimentos, procurei entender sobre as energias, que é uma coisa que eu levo muito para a minha vida. Tudo é energia, cada átomo do nosso corpo é energia. Antes eu vibrava com uma energia super negativa, super pesada, eu era uma pessoa super negativa com 29 anos, antes de ter o câncer.
Eu era uma pessoa que não acreditava em mim mesma, acreditava não ser merecedora de nada. Tinha muitos traumas, muita incerteza, além de problemas psicológicos como traumas de infância que hoje eu percebi que era uma coisa que me fazia muito mal. Depois disso, eu tentei me livrar dessas coisas. Eu queria me livrar desse sofrimento que eu tinha por carregar essa energia negativa.
Passei a ser uma pessoa mais positiva, passei a pesquisar muito sobre energia, procurei saber sobre o poder do nosso pensamento, que é algo muito forte, as palavras que saem da nossa boca também, tudo que você joga, que saem de você, está sendo jogado no universo, então, essa frequência que emanamos é a mesma que atraímos, tanto de situações como de pessoas. Hoje, eu entendendo essa consciência, eu me tornei uma pessoa melhor com bons pensamentos que eu procuro ter. A gente sabe que o ser humano tende a ser negativo, eu luto contra isso diariamente. A diferença é que hoje eu tenho essa percepção, eu tenho essa consciência que antes eu não tinha. Isso é que fez a diferença, tentar se conhecer e entender as coisas como elas são e o porque ela é assim, porque eu tive câncer, porque minha vida foi transformada. Isso foi por uma série de coisas, e o mais importante disso tudo foi a minha mentalidade.
Eu mudei o meu jeito de pensar, mudei minhas atitudes perante a vida, os meus pensamentos, as pessoas que estavam à minha volta e que antes me faziam mal, pessoas negativas, então, eu as tirei do meu ciclo de amizade. Hoje eu sou muito seletiva com as pessoas que estão à minha volta. Foi uma série de coisas, e eu acredito que eu estou em evolução ainda, então, com certeza quero mudar muita coisa em mim ainda. Quero evoluir, ser uma pessoa melhor a cada dia, uma profissional melhor a cada dia, uma amiga, uma esposa melhor, mas eu sei que cada um tem o seu tempo. Eu também estou tendo o meu tempo, estou crescendo com passinhos de tartaruga, mais conforme a gente vai passando as necessidades e as situações que a vida mesmo impõe para gente, você vai entendendo que é preciso ter uma postura melhor sobre a vida, porque coisas ruins sempre vão acontecer e muitas delas são a gente mesmo que atrai. O mesmo acontece com as coisas boas.
Hoje em dia acontece tanta coisa boa na minha vida, tanta oportunidade, tantas pessoas maravilhosas que eu encontro, e eu sei que a minha frequência e que a minha energia está atraindo essas pessoas. Isso é o que é mais importante, então, se eu pudesse mudar algo é evoluir. Quero sempre evoluir para uma Pricila mais consciente, mais amorosa, e que tenha mais gratidão no coração, porque acho que a vida se resume a isso. Você tem que ser grato por tudo que você tem, inclusive por pequenas coisas, porque se não for grato com as pequenas coisas, você não será grato com as grandes coisas.
Tem uma frase que eu sempre falo para as meninas que é “Quem reclama não prospera”, então, eu tento não reclamar na minha vida, se eu me pego reclamando já me policio e falo: “Priscila para com isso e bola para frente.” Isso é o que eu levo para minha vida e a certeza que tenho hoje é a de que preciso evoluir cada dia mais.
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