O julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado representa um divisor de águas na história política e jurídica do Brasil. A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) acusa o ex-presidente de liderar uma conspiração para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, eleito em 2022, por meio de ações que incluíam a elaboração de decretos para instaurar um estado de exceção, a mobilização de militares e civis, e até planos para assassinar autoridades como o próprio Lula e o ministro Alexandre de Moraes.
A investigação, denominada Operação Tempus Veritatis, revelou que o plano teria se iniciado em março de 2021, após a anulação das condenações de Lula e se intensificado após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022. Entre os 34 denunciados estão figuras de destaque do governo anterior, como o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente; o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
A cronologia dos eventos, segundo a PGR, destaca momentos-chave como a elaboração de minutas de decretos golpistas, reuniões com comandantes militares para pressioná-los a aderir ao plano e a organização de manifestações para criar um ambiente propício à ruptura institucional.
Diante desse cenário, surgem questões cruciais: Este julgamento poderá estabelecer uma jurisprudência sólida na defesa da democracia brasileira? Como a condução e a transparência do processo influenciarão a confiança da população nas instituições judiciais? O Brasil está entrando em uma nova era de responsabilização de líderes políticos por atentados à ordem democrática ou este caso será uma exceção? E, por fim, a defesa de Bolsonaro adotará uma estratégia jurídica ou política, e quais os riscos de o processo ser utilizado como palanque para futuras narrativas eleitorais?

Para aprofundar essas questões, entrevistamos o advogado penal e constitucional Ilmar Muniz, que oferece uma análise crítica sobre os desdobramentos jurídicos e políticos deste caso emblemático. Confira:
ENTREVISTA COM ILMAR MUNIZ
Considerando que o processo envolve uma tentativa de subversão da ordem democrática, há possibilidade de o julgamento no STF se tornar um marco na construção de uma “jurisprudência da democracia” no Brasil?
“Esse julgamento pode sim marcar o início de uma jurisprudência da democracia no Brasil. O STF tem a chance de deixar claro, por meio de decisões concretas, que atos que atacam o Estado Democrático de Direito não serão tolerados. A Constituição protege a democracia, e cabe ao Judiciário garantir que ela seja respeitada.”
A condução de Bolsonaro como réu no STF se dá em um momento de desgaste de algumas instituições. Como o andamento e a comunicação desse processo podem influenciar a confiança da população no sistema de Justiça?
“Como o processo ocorre em um momento de desgaste institucional, o STF precisa conduzir o caso com equilíbrio e total transparência. Se o julgamento for feito com seriedade e dentro da lei, isso pode ajudar a recuperar a confiança da população no sistema de Justiça. Mas qualquer exagero ou erro de comunicação pode gerar ainda mais desconfiança.”

Há paralelos possíveis entre o caso Bolsonaro e julgamentos de ex-chefes de Estado em outras democracias? O Brasil está entrando em uma nova era de responsabilização institucional ou isso ainda é uma exceção?
“Sim, existem paralelos em outros países em que presidentes tentaram a ruptura violenta do Estado, mas acredito que com essa clareza de atos articulados e provas dos fatos acredito que seja o mais evidente manifesto de provas no processo penal.”
A estratégia de defesa de Bolsonaro tende a ser mais jurídica ou política? Em processos como esse, quais são os riscos de um embate jurídico virar palco para narrativas eleitorais futuras?
“A defesa de Bolsonaro deve ser mais política do que jurídica. É comum em casos assim que se use o processo para fazer discurso ao público. Isso pode virar um problema, porque o julgamento pode se transformar em palco para campanha e não para discutir os fatos e o direito. É importante que o processo se mantenha no campo jurídico, com foco na legalidade e nas provas, mas o risco é real de ser palco.”
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