Em um mundo onde a ansiedade e o medo permeiam as experiências diárias de milhões de pessoas, entender a linha tênue entre uma preocupação comum e um transtorno mental grave é essencial. Em uma entrevista exclusiva, Maria Klien, psicóloga especializada em transtornos de ansiedade e medo, proporciona uma análise profunda sobre os sinais distintivos e os impactos dessas condições na saúde física e mental.
A psicóloga, especialista e empresária no campo da cannabis medicinal, formada em terapia assistida, destaca que os transtornos de ansiedade frequentemente se manifestam através de uma combinação de sintomas físicos, como tremores, aperto no peito, e alterações no sono e apetite, juntamente com sintomas psicológicos, incluindo pensamentos catastróficos e preocupação excessiva. Ela enfatiza a importância do autoconhecimento como uma ferramenta poderosa para reconhecer essas variações de forma consciente, tanto em adultos quanto em crianças, cujos sinais podem ser mais difíceis de detectar pelos pais.
Além disso, a especialista aborda a distinção crucial entre ansiedade “normal” e um transtorno de ansiedade, ressaltando que a ansiedade funcional pode ser adaptativa, impulsionando a ação e o planejamento, enquanto a ansiedade disfuncional pode levar a transtornos graves como ataques de pânico ou transtorno obsessivo-compulsivo. Ela alerta para sinais de alerta, como um nível de estresse desproporcional em relação aos eventos cotidianos, indicando a necessidade de intervenção profissional.
A entrevista também explora como a ansiedade se diferencia do medo, destacando que enquanto o medo é uma resposta primária a ameaças imediatas, a ansiedade muitas vezes surge da incerteza sobre o futuro e a percepção de falta de controle. Klien discute como essas nuances influenciam diferentes abordagens terapêuticas, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a Aceitação e Compromisso (ACT), que não apenas tratam os sintomas, mas também abordam as causas subjacentes para promover uma recuperação sustentável. CONFIRA:
[entrevista Maria Klien]
Quais são os sinais mais comuns de transtornos de ansiedade que devemos estar atentos?
Maria Klien: Ansiedade têm sintomas físicos – tremores, agitação, aperto no peito, respiração curta ou falta de ar, alteração no apetite e no sono, dormências e irritabilidade. E psicológicos – pensamentos catastróficos e ruminantes, preocupação excessiva, insegurança e medo, por exemplo. E é muito comum que os sintomas físicos e psicológicos apareçam simultaneamente. O autoconhecimento é uma ferramenta poderosa pois, quando entendemos o nosso funcionamento, conseguimos perceber essas variações de forma mais consciente. Já na criança essa consciência é mais difícil de existir, daí a importância dos pais estarem atentos a mudanças de comportamento em casa e na escola, principalmente no que tange a raiva e vergonha, além da alteração no sono e no apetite.
Como alguém pode distinguir entre ansiedade “normal” e um transtorno de ansiedade? Quais são os sinais de alerta que indicam que pode ser hora de buscar ajuda profissional?
Maria Klien: Não existe vida sem ansiedade hoje. Arrisco dizer que até um monge do século 21 convive com algum grau de ansiedade. Afinal, ansiedade não é necessariamente ruim. Existe a ansiedade funcional, aquela que nos ajuda a sair da cama de manhã, que nos faz pensar e planejar o futuro, e até mesmo tomar decisões coerentes com um comportamento seguro. Quando a ansiedade se torna disfuncional é que precisamos interferir para que não se consolide em um transtorno como ataques de pânico, transtorno obsessivo compulsivo ou transtorno de estresse pós-traumático. Um alerta fácil de ser notado é quando o estresse se apresenta desproporcional ao impacto do evento. Isso porque dar a devida proporção às coisas é um bom indício de saúde mental saudável e, quando isso não ocorre com frequência, devemos pedir ajuda, pois a vida nesse lugar de alerta se torna exaustiva.
Como a ansiedade se diferencia do medo? E como essas diferenças impactam no tratamento?
Maria Klien: Ansiedade pode ser caracterizada como medo de um futuro incerto. A ansiedade fala muito de controle, ou melhor, de ausência dele. O medo vem essencialmente de um lugar muito primário – não controlamos a vida, não conseguimos impedir a morte e é o medo do fim que mais aflige o ser humano. O deixar de existir é brutal para o ego, nossa estrutura psíquica de defesa que dialoga entre nosso universo interno e externo.
A ansiedade é frequentemente associada à adolescência, mas ela pode persistir ou desenvolver-se na vida adulta, certo? Quais são as diferenças na forma como a ansiedade se manifesta em adultos em comparação com adolescentes?
Maria Klien: A ansiedade é comum na adolescência até por ser uma fase de incertezas. Esse rito de passagem entre a vida infantil e o tornar-se adulto exige muito, psicologicamente falando. A comparação excessiva com a vida de outros, intensificada hoje em dia pelas redes sociais, é cruel para todas as idades, mas é mais complexa para os adolescentes que ainda não sabem quem são, estão se tornando. Até para nós adultos é muito maléfica essa comparação da nossa vida real com a vida editada do outro, tenho muitos pacientes em sofrimento por esse motivo. O adulto também sofre com a ansiedade. O medo de não cumprir o papel social, de não ser bem-sucedido, de não ter amigos ou um relacionamento falam de um medo primário. Na época das cavernas, quando se andava em bando se sobrevivia, e desde então tentamos ser aceitos pelo bando para não sermos obrigados a sobreviver sozinhos. Esse medo da solidão pode ser ainda mais aprofundado nos levando na direção do medo basal de todo ser humano – medo da morte.
Quais são as abordagens terapêuticas mais eficazes para lidar com transtornos de ansiedade?
Maria Klien: Como ferramenta utilizo muito a abordagem do TCC e ACT, pois são terapias que não resgatam o passado como processo de cura. Depois de apagado o incêndio, costumo propor um mergulho, pois a meu ver, se não chegarmos na causa, o fogo vai começar de novo em algum momento da vida.
Quais são os desafios mais comuns que os pacientes enfrentam durante o tratamento de transtornos de ansiedade?
Maria Klien: É bastante desafiador conviver com a ansiedade disfuncional. E falo isso com propriedade, pois vivi 20 anos com transtorno do pânico e olhando para trás. Não sei como fiz, sinceramente. Era tanto sofrimento, nenhuma autonomia e a esperança vivia por um fio. Agradeço todos os dias o que considero um milagre em minha vida, o encontro com a medicina cannábica mudou a minha vida completamente. Foi como um renascimento. Espero que pessoas em sofrimento que me leem aqui recuperem a esperança, porque há vida após esse sofrimento, eu sou prova disso. Viver se torna desafiador, andar de elevador, dirigir, voar de avião, falar em público, conhecer pessoas, ir para lugares cheios, para quem está em sofrimento qualquer coisa pode ser gatilho.
Como familiares e amigos podem apoiar alguém que está enfrentando a ansiedade?
Maria Klien: Uma rede de apoio sólida é imprescindível. Ter paciência com o tempo de quem sofre e entender que o tempo do outro não é o seu. Outra dica importante é não se comparar. Cada um tem seu gatilho e não vem de um lugar consciente. Muitas pessoas se envergonham de serem dominadas pelo medo, deixar o outro confortável em sentir seja o que for é o primeiro passo. O que o paciente em sofrimento precisa retomar é a sensação de segurança dentro dele. Porque é comum a crise se iniciar em um ambiente, por exemplo, no trabalho, e depois ir se alastrando para todas as instâncias da vida, até chegar dentro de casa. E é aí que o paciente geralmente busca ajuda, porque se torna impossível viver assim, não há mais para onde fugir
Quais são os efeitos do estresse crônico na saúde mental e física de uma pessoa?
Maria Klien: Efeitos paralisantes. Podemos culminar em uma separação ou numa demissão, além de sintomas físicos que podem desencadear uma doença autoimune, diabetes, resistência à insulina, insônia, ganho ou perda de peso exacerbada, depressão e até mesmo câncer.
Qual a diferença de ansiedade e ataque de pânico?
Maria Klien: Ataque de pânico é um evento em que a ansiedade transborda. A pessoa sente sintomas que dão para ele a certeza de que ele vai morrer, causando sofrimento e insegurança.
Quais estratégias você recomenda para lidar com ataques de pânico no momento em que ocorrem?
Maria Klien: Precisamos treinar algumas ferramentas quando o paciente não está na crise, porque na crise o sistema nervoso simpático é ativado, aumentando a produção do cortisol. Qualquer substância gerada que não tem utilidade vira lixo, portanto uma das ferramentas que indico é literalmente se trancar no banheiro e pular. Dessa forma, damos função para o que o corpo produz e saímos da crise gerada pela intoxicação do stress. Outra técnica muito conhecida e poderosa é a respiração que ativa o sistema parassimpático para que o corpo volte ao equilíbrio. Massagear o pescoço, por onde o nervo vago passa, também ativa o parassimpático. Existem muitas ferramentas, importante saber qual melhor se adapta a situação e ao paciente também.
Como a meditação e outras práticas de mindfulness podem complementar o tratamento convencional da ansiedade?
Maria Klien: Meditação aumenta a produção dos endocanabinóides, fazendo com que o sistema endocanabinóide se regule possibilitando a homeostase do corpo, ou seja, o equilíbrio. Um corpo em equilíbrio é um corpo saudável
Inspirado no filme “Divertida Mente”, como podemos entender melhor a relação entre emoções no tratamento de transtornos de ansiedade?
Maria Klien: Ansiedade não foi bem descrita ali no filme, que eu amei por sinal, principalmente por possibilitar o diálogo de um tema tão central no universo familiar. Falar sobre as emoções é o único caminho possível de cura. Aliás, o diálogo é essencial para uma vida saudável. Mas, na minha opinião, a ansiedade é uma “sub-emoção“, por ser mais um sintoma do que uma patologia. Sabemos que ela pode se tornar uma patologia, mas antes disso a ansiedade é gerada a partir de outra emoção – o medo, que por sua vez pode ser gerado em um trauma. Uma outra crítica é que ansiedade não é o mesmo que hiperatividade, é possível ser ansioso e ser menos ativo, por exemplo.
No filme, as ilhas de personalidade representam interesses fundamentais da Riley. Como essas ilhas podem ser afetadas por transtornos de ansiedade, e como a psicologia pode abordar isso?
Maria Klien: As ilhas de personalidade falam de um lugar em nós que é empírico e está em constante transformação. Muitas vezes um trauma pode nos transformar em medrosos, pessimistas e até mesmo ansiosos. Outras vezes um trauma pode nos fazer resilientes e esperançosos por um futuro melhor. A questão aqui é entender que não é sobre o acontecimento, mas sim sobre a nossa percepção do acontecimento. Em terapia muitas vezes o paciente é convidado a olhar para o evento de um novo ponto de vista, e é aí que o milagre acontece.
Recentemente, ouvi alguém comentar sobre ‘Divertida Mente 2’, dizendo que retratar Riley lidando com uma crise de ansiedade sozinha e se recuperando com a técnica de respiração era irreal. A pessoa mencionou que, na vida real, alguém com ansiedade precisa ser levado ao médico. Como você abordaria essa crítica em relação à representação da ansiedade no cinema e na realidade clínica?
Maria Klien: A crise de ansiedade é terrível, mas não mata. Sendo assim é super possível aprender técnicas, somado a um ajuste químico para ser capaz de conviver com a ansiedade e não ser controlado por ela.
QUEM É MARIA KLIEN?
É psicóloga, especialista e empresária no campo da cannabis medicinal, formada em terapia assistida. Especializada em transtornos de ansiedade e medo. Como empresária, trabalha para tornar a planta uma ferramenta acessível e eficaz para o bem-estar emocional.
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