O câncer de próstata é o segundo tipo mais comum entre os homens brasileiros e um dos que mais desperta resistência quando o assunto é prevenção. Apesar das campanhas de conscientização e do acesso crescente à informação, ainda há uma barreira simbólica que faz muitos evitarem o exame de toque retal, etapa fundamental para o diagnóstico precoce da doença.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o Brasil registra mais de 72 mil novos casos por ano, mas parte significativa dos diagnósticos ainda ocorre em estágios avançados. Esse cenário não se explica apenas pelo medo físico do exame, mas pela carga emocional e cultural que ele representa. O ideal de masculinidade que associa o homem à força e à invulnerabilidade continua sendo um obstáculo para o autocuidado.
Em uma sociedade que ainda educa meninos para esconder emoções e evitar demonstrar fragilidade, reconhecer a própria vulnerabilidade se torna um desafio. O silêncio em torno da saúde masculina é, portanto, mais profundo do que parece: ele fala de medo, vergonha e da dificuldade de lidar com o corpo e com os próprios sentimentos.
Para compreender as razões psicológicas por trás dessa resistência e o impacto emocional que ela traz, o Portal Andrezza Barros conversou com a psicóloga Renata Sanches, da Clínica Bels, em São Paulo. Na entrevista, ela analisa como os estereótipos de masculinidade ainda moldam a forma como os homens se relacionam com a saúde, o corpo e as emoções. CONFIRA:
Por que o câncer de próstata ainda é um dos maiores gatilhos de resistência entre os homens, mesmo em uma era de tanta informação?
O câncer de próstata é uma doença que afeta muitos homens em todo o mundo e a resistência em falar sobre isso é um problema significativo. A cultura masculina tradicional muitas vezes valoriza a força e a invulnerabilidade, o que pode levar os homens a evitar falar sobre problemas de saúde. Além disso, de modo geral, os homens não estão habituados a pensar sobre questões emocionais, seus medos e ansiedades. Este exame acaba sendo desafiador justamente porque esbarra nestas questões extremamente pessoais. É importante quebrar esses tabus e incentivar os homens a falar sobre o câncer de próstata e a buscar ajuda se necessário. A detecção precoce é fundamental para o tratamento eficaz da doença.
Podemos dizer que o medo do exame é mais simbólico do que físico — uma metáfora do quanto o homem evita ser “invadido” emocionalmente?
O exame de próstata, em si, é um procedimento médico relativamente simples e indolor para a maioria dos homens. No entanto, o medo e a ansiedade associados a ele podem ser intensos e complexos. O medo do exame de próstata pode ser um reflexo do medo de ser vulnerável, de perder o controle ou de ser “invadido” emocionalmente. Pode ser um medo de se abrir e se expor, não apenas fisicamente, mas também emocionalmente.
O que o tabu em torno do toque retal revela sobre a forma como os homens foram ensinados a lidar com o corpo e a vulnerabilidade?
Na nossa cultura, os homens são socializados para serem fortes, independentes e não expressar emoções ou vulnerabilidade. Isso pode levar a uma desconexão com o próprio corpo e uma falta de conforto em lidar com a intimidade e a vulnerabilidade. O toque retal, em particular, é uma área do corpo que é frequentemente associada a tabus e estigmas. A ideia de ter alguém tocando ou examinando essa área do corpo pode ser desconfortável e até mesmo ameaçadora para alguns homens. Isso pode ser um reflexo de uma falta de educação e conscientização sobre o corpo e a saúde masculina, bem como uma perpetuação de estereótipos de gênero que enfatizam a masculinidade e a força.
Como a cultura do “homem que aguenta tudo” interfere não só na prevenção do câncer de próstata, mas também em outras dimensões da saúde mental e afetiva masculina?
Essa cultura enfatiza a força e a resiliência como características fundamentais da masculinidade, o que pode levar os homens a reprimir emoções, ignorar sinais de alerta de problemas de saúde e evitar buscar ajuda. No contexto do câncer de próstata, essa cultura pode levar os homens a adiar a realização de exames preventivos, como o toque retal, por medo de parecerem vulneráveis ou fracos. Isso pode resultar em diagnósticos tardios e tratamentos mais agressivos.
Para mudar essa cultura, é importante promover uma visão mais ampla e inclusiva da masculinidade, que valorize a expressão emocional, a vulnerabilidade e a busca de ajuda.
Há um paradoxo interessante: o homem moderno fala mais sobre autocuidado, mas continua morrendo mais cedo. O que falta nessa conversa para que ela se torne de fato transformadora?
Embora o discurso sobre autocuidado esteja mais presente do que nunca, os resultados em termos de saúde e longevidade masculina não estão melhorando na mesma proporção. Pode-se pensar que ainda existe uma certa superficialidade para tratar destes temas: é fácil falar sobre exercícios físicos e alimentação saudável, mas ainda é desafiador abordar questões emocionais mais profundas. Autoconhecimento, estresse, ansiedade e pressão por resultados são alguns dos temas importantes que deveriam ser realmente considerados. Os homens precisam ser incentivados a explorar suas emoções, necessidades e limites.
Quando um homem finalmente decide se cuidar, o que costuma mudar em seu comportamento emocional e nas relações ao redor?
Quando isso acontece, ocorre uma maior consciência emocional, fazendo com que os homens possam expressar suas emoções, como o medo, por exemplo, de forma mais saudável. Isso pode levá-lo a se relacionar de forma mais autêntica e empática com os outros. Autoestima e autocuidado também passam a estar mais presentes. Quando um homem se cuida, começa a gerenciar o estresse e a ansiedade de forma mais eficaz, o que acaba reverberando positivamente em seus relacionamentos pessoais. Começa também a se valorizar mais e a se tratar com mais respeito e compaixão. Isso pode levar a uma maior confiança e assertividade em seus relacionamentos.
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