Péricles Cavalcanti vem revisitando seu disco Canções em comemoração aos 30 anos da obra que arrancou elogios de Caetano Veloso como um dos discos mais puros de expressão de um artista. Agora, 30 anos depois do lançamento que rendeu ao artista carioca o prêmio daquele ano de melhor compositor pela APCA (Associação Paulista de Críticos Teatrais), o álbum ganha novos rumos criativos em um show que celebra as três décadas da obra.
Com uma nova roupagem no repertório, Péricles subiu ao palco preparado no Estúdio Loop para gravar um show e versões surpresas de algumas de suas músicas mais marcantes, como “Príncipe das Marés”, “Eu Queria Ser Cássia Eller”, “Blues”, entre outras. As apresentações tem sido exibidas todos os sábados de março e abril, às 18h, no canal oficial do cantor no YouTube (assista aqui), sempre revelando um novo desfecho para o setlist. Confira a entrevista:
Você vem revisitando seu disco “Canções” lançado há 30 anos. Qual é a sensação de recordar um projeto tão importante que chegou a ser elogiado por Caetano Veloso?
É uma sensação muito boa, porque esse álbum foi a minha “chegada” como arranjador e cantor, depois de ser conhecido por algum tempo, apenas como compositor, gravado por Gal Costa, Caetano e Asdrúbal Trouxe o Trombone. E como foi um conjunto de canções, entre inéditas e conhecidas, que reuni pensando num “conceito” bem definido, no tratamento musical e nas referências que mais me interessavam (e ainda interessam), creio que, pela boa repercussão que teve na época, esses objetivos foram alcançados. Portanto é um prazer retomá-lo, 30 anos depois, agora com a perspectiva de tudo que fiz depois dele.
Nós soubemos que para esse novo projeto, você está pretendendo trazer uma nova identidade para celebrar os trinta anos do lançamento do “Canções”, conseguindo colocá-lo para um estilo mais atual. Como está sendo essa transformação, tanto para o disco como para sua própria carreira musical?
Sim, outra coisa que me entusiasmou pra esse show comemoração foi a possibilidade de atualizar as canções e arranjos, com músicos que não participaram das gravações originais, mas que tocam comigo já há alguns anos: Pipo Pegoraro, Marcelo Monteiro e Claudio Faria. E, embora do ponto de vista instrumental a formação para o show não esteja tão longe daquela do disco, muitas canções tiveram, inclusive, arranjos bem diferentes e mais próximos do som que faço atualmente. De todo modo, foi muito estimulante retomar aquele repertório, que representou os primeiros 18 anos de minha carreira.
Durante esse mês de abril, o público poderá apreciar um show com várias surpresas através de um especial apresentado todos os sábados através de seu canal oficial no YouTube. Quais são as suas expectativas para a temporada deste mês?
Pois é, além das canções do álbum, o repertório do show conta com outras que fiz depois, presente em outros álbuns, como “Blues”, lançada por Caetano e que gravei no “Blues 55” (2004), como ”Príncipe das Marés”, que fiz sob encomenda de Adriana Calcanhotto e que gravei no álbum “Frevox” (2013). Além de alguns “singles” que lancei recentemente, como “Pra nosso neném dormir” (2018) e “Manifesto” (2020), que estão entre as surpresas. E espero que entre os espectadores do vídeo, estejam não só fãs do disco “Canções”, como um público formado, mais recentemente, pela internet que ainda não conhece aquele repertório e as coisas que tenho feito depois dele. Minha expectativa é muito boa para essa temporada.
Uma das características que o Brasil mais conhece no Péricles é justamente a versatilidade dos estilos musicais, puxando um pouco de cada gênero e criando uma sonoridade única. Nesse projeto, receberemos o resultado de uma soma de samba, bossa nova, blues e música cubana. Como é o desafio de se harmonizar tantos estilos distintos em uma única faixa? É preciso estudo para equilibrar tantas informações em forma harmoniosa?
Olha, desde criança tenho um gosto bem eclético sobre música, popular ou erudita, então, quando comecei a compor e, depois, gravar, naturalmente esse “gosto” se expressou na versatilidade com que fui explorando os gêneros, estilos e “ritmos”, muitos dos quais eu já conhecia há muito tempo. E eu adoro me aproximar sempre de “terrenos” musicais em que nunca “pisei”. É um desafio bom e que combina com minha personalidade.
Uma das principais homenageadas deste trabalho foi a sua amiga Susana Moraes – cineasta responsável pela direção do filme “Mil e Uma” de 1996. Como é a história de amizade entre vocês e como ela foi pensada nesse projeto?
Conheci Susana e ficamos muito amigos desde os anos 70. Sempre estivemos próximos, de alguma forma, a partir de lá. Foi Susana quem se movimentou para que eu gravasse o álbum “Canções” na gravadora Polygram (hoje Universal). Logo depois, ela nos aproximou, Adriana Calcanhotto e eu, que também nos tornamos amigos. E quando Susana dirigiu seu primeiro filme de longa-metragem, “Mil e Uma” (1993), ela me chamou pra fazer a trilha, que depois virou um CD, que está entre as coisas que mais gostei de ter feito. Nesse show comemorativo, além de tê-lo dedicado a ela, canto “Mais um bolero”, que é parte da trilha de seu filme.
Os anos acabam nos mudando muito e nestes 30 anos, o que você percebe de mudança em si? E o que gostaria de ter feito ou não ter feito no passado se pudesse mudar agora?
Esse show abre com “Canto maneiro”, faixa de “Canções” que cita o grande filósofo grego antigo, Heráclito, dizendo: “nunca nos banhamos no mesmo rio” (porque nem o rio nem a gente se mantêm os mesmos). Portanto ser sempre outro, embora o mesmo, faz parte de toda vida, como diz “Dos Prazeres, das canções”, a faixa que abre o disco “Canções”. Agora, se pudesse, gostaria de refazer algumas gravações ou aspectos de algumas delas (vocais e instrumentais), coisas que foi preciso o tempo para que eu percebesse suas limitações. Mas, como não há retorno, é em cada novo trabalho que procuro usar o que aprendi com a experiência.
Para os leitores que querem o conhecer melhor, nos conte um pouco quem é Péricles Cavalcanti e o que o levou a área musical.
Pois é, ainda estou me descobrindo e acho que isso não acaba, né? Só sei que sempre gostei de música (e meus pais e minha irmã, também gostavam) e fui criado numa casa com muitos rádios e instrumentos musicais. Mas, como quase todos os meus colegas que cresceram nos anos 60, também sempre tive interesse por cinema, literatura e, no meu caso, por filosofia. Meu pai me ensinou, desde cedo, alguns acordes no violão, e, quando ainda adolescente, conheci os desde então meus amigos, os tropicalistas Caetano, Gil e Gal (que me lançou em disco, como compositor, gravando “Quem Nasceu?), isso foi tipo o “ingrediente final”, perfeito, para que, depois, eu começasse a trabalhar com música.
Em meio a um ano tão difícil, qual mensagem de positividade você deixa ao público?
Bem, está difícil pra todo mundo, com tantas perdas e, também, com esse governo ignorante, destrambelhado e perigoso que temos. Acho que todo mundo tem que continuar atento, se cuidando, trabalhando (na medida do possível), se vacinando e seguindo em frente, da melhor e mais segura maneira, porque não há outra alternativa.
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