Artista multiplataforma com exposições ao redor do mundo, Lucas Vidal busca os limites de sua arte em um trabalho que explora o lado banal dos ambientes do dia-a-dia. Além da pintura, performance e instalações, ele tem se dedicado a poesias sonoras e estudos de ritmo e isso surge em sua experimental estreia no álbum “Renata”.
Nascido em Niterói e residente no Rio de Janeiro, Lucas traz, em suas 12 músicas, nuances e texturas variadas e irregulares influenciadas desde o minimalismo, passando pela transformação de sons e vozes da música concreta, acrescentadas de jogos linguísticos, que ecoam de Steve Reich a Walter Franco, de Negro Léo a Frank Zappa sem esquecer de se aproximar com o efêmero do cotidiano representado pela familiar toalha bordada na capa. O trabalho está disponível em todos os serviços de streaming de música. Confira a entrevista:
Sendo considerado um artista multifacetado, você é uma pessoa que consegue misturar harmonicamente a arte com a música, que são consideradas duas formas excelentes de comunicação. Como funciona essa junção na prática, e como chegou até ela?
Realmente gosto de fazer coisas diferentes no dia-a-dia, sou formado primeiramente em Engenharia e continuo trabalhando na área, conciliando com a arte. Mas a arte e a música sempre estiveram presentes na minha vida, são complementares. Comecei a desenhar muito cedo e também passava horas pesquisando música, gostava de escutar a discografia completa de cada artista, tínhamos que baixar os MP3s pra escutar. Mas não produzia música nesse momento, cheguei a fazer um reggae com uns 16 anos, mas tinha uma timidez muito grande de botar a voz pra fora. Foi a partir de 2020 que tudo começou a se unir, vi um trabalho sonoro do artista Paulo Bruscky, chamado “Poema de Repetição”, nele ele simplesmente repete “Poema de Repetição, poema de repetição…” por 3 minutos. Nesse momento eu pensei: “É isso!”, então comecei a fazer poemas sonoros combinados com edição de vídeo e passar a fazer música foi só mais um degrau, é uma provocação para os próprios músicos, me colocar como músico vindo das artes visuais compondo de forma não ortodoxa.
Uma de suas grandes inspirações para o seu trabalho vem muito do lado banal que ocorre nos ambientes dos nossos dias. Você tem alguma situação favorita que observa no dia a dia que o intriga, ou uma boa composição consegue sair de todo lugar?
Sim, pode vir de qualquer lugar, eu sou muito observador, costumo prestar atenção nos sons da vizinhança, então as coisas que mais me atraem são as mais simples, um cachorro latindo na rua, uma conversa entrecortada dos vizinhos, um alarme de carro ou um áudio de WhatsApp sem muito propósito.
A composição de seu novo álbum – “Renata” – vem com uma proposta bastante interessante que traz a arte sonora a partir de elementos metalinguísticos. Como foi a produção conceitual desse projeto e como acha que o público deveria tentar interpretá-lo?
Eu sempre penso que o trabalho pode ser interpretado da maneira de cada um, de forma livre, mas a proposta inicial foi trazer uma experiência sonora que transcendesse a ideia de música que estamos acostumados, então pensei que uma escuta do álbum já seria suficiente, um pouco do que fala na primeira faixa: ”Deixa eu contar um segredo no seu ouvido…”, ou seja, “vem, senta aqui, se concentra e só escuta isso”. Acaba sendo um desafio pro ouvinte, pois nem todas as músicas são agradáveis aos ouvidos de muita gente. Procurei mesclar entre uma faixa com cara de música, e outra mais desconstruída, em um movimento de aproximação e afastamento do espectador. Em complemento, busquei criar uma narrativa de uma faixa pra outra, que talvez nem todo mundo tenha essa percepção.
Para você, o que define uma boa arte, sendo que muitos buscam seus significados, porém que ela pode se tornar abstrata aos olhares?
Essa definição de boa arte é bastante complexa, mas arriscaria a dizer que é aquela que pode causar múltiplas interpretações, e múltiplas sensações, que as vezes nem o artista consegue perceber, independente do significado ou da origem de fato.
Durante a pandemia, as pessoas buscaram bem mais a arte que antes, as lives no início da quarentena é um exemplo. Como você encara a crescente procura pela busca da arte durante a pandemia?
As pessoas acabaram ficaram entediadas de ficar em casa, se antes você ia no pagode, tinha passado a ser um pagode online de forma obrigatória, então acabou ficando tudo concentrado no meio virtual. Apesar de haver um aumento, não posso afirmar que houve maior variedade do tipo de arte que as pessoas já consumiam. Nessa perspectiva, eu procuro trazer uma reflexão sobre esse consumo, uso muito minhas redes sociais e nos trabalhos pra trazer esse questionamento: “Peraí, é realmente isso que você quer consumir?”
Muitas são as inspirações para alguém querer seguir um determinado caminho na vida. Quais são as suas motivações e inspirações para chegar a esse trabalho esplêndido disponível em todos os serviços de streaming musical?
Minha motivação principal é botar em prática aquilo que tenho na cabeça, sem pensar muito se aquilo será um sucesso de público ou de vendas. É simplesmente fazer. Fazer como um meio de observar o mundo ao meu redor, sem me preocupar tanto com o resultado. Estudei muitos artistas e músicos que estão nesse caminho, que fazem pelo prazer de colocar algo desafiador, que jogue com o público e que ter “sucesso” não é sua primeira preocupação. Entre eles posso citar o Walter Franco e o Tom Zé pelas experimentações e pela persistência em acreditar nos seus trabalhos, o Negro Leo que tem um trabalho contemporâneo fantástico e o próprio Paulo Bruscky que citei anteriormente.
Nascido em Niterói, a cidade sorriso é conhecida por muitas variedades artísticas que tem sido bem mais exploradas ao longo do tempo. Ter nascido nessa cidade pode ser considerado um diferencial para você ser quem é hoje?
Bom, foi em Niterói que tive minha primeira formação em desenho e pintura, pela escola do Daniel Azulei e no Museu Antônio Parreiras. Mas Niterói tinha uma cena de Rap muito forte a alguns anos, tanto com a galera mais antiga Black Alien, Speedfreaks e o Marechal, que passou a organizar várias batalhas de rima por lá, quanto com a galera mais nova. Meu irmão, Geninho Beatbox, fez parte do grupo Oriente por muito tempo e eu estava sempre presente nos shows e batalhas, então essa galera acabou influenciando bastante. Mas acredito que o diferencial na minha vida foi justamente ter saído de Niterói. Desde os 15 anos passei a estudar no Rio mesmo ainda morando na cidade, então foi ai que comecei a ter contato com gente diferente, de outras classes sociais, de outros bairros e que fez toda a diferença pra abrir minha cabeça.
Tendo seu novo trabalho lançado, o que você tem em mente para o futuro?
No momento estou trabalhando nos clipes das músicas do álbum, está sendo interessante repensar o trabalho de forma visual, espero lançar o clipe de todas as músicas ainda esse ano fechando o ciclo. Também pretendo apresentar o álbum em formato de show trazendo bastante essa relação com a visualidade. Em relação à trabalhos novos, quero voltar a trabalhar com pinturas, e dar continuidade aos projetos musicai: vou lançar alguns singles e quero trazer parceiros pra compor e produzir no projeto de um novo álbum inteiramente de sambas previsto pro final de 2022.
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