“Prete Bixa” transforma trauma em manifesto visual que celebra corpos negros e dissidentes, unindo gerações em afeto e resistência

Expulso na infância, Marco Antonio Fera volta à escola em clipe

Por Andrezza Barros • 21 nov 2025
Expulso na infância, Marco Antonio Fera volta à escola em clipe
Foto: Romulo dos Santos

A trajetória de Marco Antonio Fera ganha um novo capítulo simbólico com o lançamento do videoclipe “Prete Bixa”, projeto que retoma uma das memórias mais marcantes da infância do artista. Quando tinha apenas 10 anos, Fera foi expulso da escola após dublar Whitney Houston em uma apresentação espontânea diante dos colegas. A cena, que para ele representava apenas um gesto ingênuo de expressão, resultou em punição, silêncio e um trauma que o acompanhou por anos. Agora adulto, artista consolidado e voz relevante da cena independente brasileira, ele retorna ao mesmo colégio, desta vez para ocupar o espaço com arte, afeto e potência coletiva.

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O videoclipe é dirigido pelo cineasta carioca Macario e representa um encontro entre estética, política e memória. Ao revisitar o local onde viveu a repressão à sua identidade, Fera transforma o episódio em gesto público de resistência. Ele retorna não sozinho, mas acompanhado de uma comunidade de pretas bichas que, juntas, dão novo significado ao ambiente escolar. “Voltar a esse espaço foi histórico. Transformamos dor em arte, silêncio em celebração”, afirma.

A composição mistura afrobeat — uma linguagem que pela primeira vez aparece em sua discografia — com ritmos afro-brasileiros como funk e maculelê. A influência de Fela Kuti se encontra com a energia da diáspora negra no Brasil, criando uma sonoridade simultaneamente dançante e política. A estética do clipe dialoga com referências da cultura ballroom, vogue e expressões corporais marcadas pela liberdade de movimento. Macario conduz a narrativa visual como um ritual de retomada: corpos que afirmam existência, que reocupam espaços e que projetam novas possibilidades de futuro.

Um dos destaques do vídeo é a participação de Diva Green, figura importante na estética das cabeças negras e referência artística que reforça a atmosfera de ancestralidade. Sua presença contribui para o diálogo entre gerações que o clipe propõe — um reencontro entre passado, presente e novas perspectivas da negritude queer. Nas imagens, os participantes constroem juntos uma coreografia afetiva que mistura festa, cuidado e reivindicação. “O que se vê é a diáspora preta e bixa em movimento”, resume Fera, destacando o caráter manifesto do trabalho.

Mais do que uma música, “Prete Bixa” nasce como declaração pública de identidade. Para o artista, a faixa celebra liberdade, pertencimento e a potência da coletividade. “É música para dançar e pensar ao mesmo tempo. É política, é afeto e é festa”, afirma. Ao transformar a dor de uma criança punida por expressar quem era em um gesto artístico de enorme força simbólica, Fera ressignifica a narrativa que um dia tentaram impor a ele.

A obra também marca uma nova fase em sua carreira. Nascido em Sorocaba, Marco Antonio Fera é cantor, compositor e performer cuja produção sempre dialogou com temas como amor, dissidência e resistência negra. Seu trabalho parte de vivências pessoais para construir narrativas universais que questionam normas e ampliam representações. Com o álbum Corpo Desobediente, ele se firmou como uma das vozes mais expressivas da música independente contemporânea, unindo política, afeto e musicalidade brasileira.

Agora, com “Prete Bixa”, Fera aprofunda sua pesquisa estética, traz a dança ao centro da performance e reafirma seu compromisso com uma arte libertária. Ao retornar ao lugar de onde foi expulso na infância, ele transforma uma história de repressão em uma celebração coletiva da negritude queer — gesto que ecoa como afirmação, cura e futuro.

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