O espetáculo “O Sonho Americano”, da Cia Teatro dos Ventos, já estreou no Teatro Studio Heleny Guariba, em São Paulo, trazendo à cena uma história ambientada no Brasil dos anos 1970, durante o auge da ditadura militar. Com texto e direção de Luiz Carlos Checchia, a peça oferece um mergulho profundo nas angústias, medos e dilemas da pequena burguesia em tempos de repressão política. A trama gira em torno de Bento, um jovem envolvido na luta armada, que busca refúgio na casa de sua tia Antônia e sua prima Beatriz, após uma tentativa frustrada de ação contra o regime.
Conversamos com Camila Costa Melo, uma das protagonistas da peça, que interpreta Beatriz, uma jovem dividida entre seu sonho de estudar em Harvard e a difícil situação em que se encontra ao abrigar o primo subversivo. Para Camila, a construção da personagem exigiu camadas complexas de pensamentos e sentimentos. “Ela está constantemente tomando decisões, tem dúvidas, preocupações latentes e angústias sobre o rumo que quer dar à sua vida”, explica a atriz, ressaltando que a personagem é movida por incertezas que refletem a realidade de muitos brasileiros, tanto no passado quanto no presente.
O contexto político da ditadura, embora distante no tempo, traz à tona questões que ainda ecoam nos dias atuais. Segundo Camila, o público irá se conectar com as temáticas abordadas de forma muito presente. “Ainda estamos vivendo uma continuidade daquele período. As inseguranças, as incertezas, as opiniões extremas que dividem a sociedade estão todas ali, na peça, e também ao nosso redor”, comenta a atriz. A personagem de Beatriz, em particular, expõe essa dualidade, ao mesmo tempo que sente o afeto pelo primo, começa a temer pelo seu futuro acadêmico ao abrigar um perseguido político, chegando a cogitar traí-lo para proteger seus interesses.
Além de elogiar o texto de Luiz Carlos Checchia, Camila destaca a parceria com o elenco e o momento marcante da entrada de Gabriel Santana, que interpreta Bento. “Quando o Gabriel chegou, todos sentimos que ele já era o Bento. Foi um momento muito feliz para o grupo”, relembra. Com uma trajetória de sucesso tanto no teatro quanto em produções audiovisuais, a atriz revela o impacto que o teatro de rua e os espaços não convencionais tiveram em sua formação, moldando sua forma de atuar e se relacionar com o público. Para quem busca uma experiência teatral intensa e reflexiva, “O Sonho Americano” promete tocar nas feridas da sociedade e provocar questionamentos profundos sobre os valores e escolhas de cada um. Confira a entrevista completa:
Camila, como foi o processo de preparação para interpretar sua personagem em “O Sonho Americano”? Quais desafios você encontrou ao construir essa personagem?
Dar camadas de pensamento para essa personagem; a todo momento, ela toma decisões porque tem dúvidas, preocupações muito latentes, angústias e incertezas. Ela está em um processo de tomada de decisão sobre o rumo que deseja dar para sua vida.
A peça se passa no contexto da ditadura militar no Brasil, mas aborda questões que ainda reverberam nos dias de hoje. Como você acredita que o público vai se conectar com essas temáticas nos tempos atuais?
Olha, é uma ótima pergunta. O tempo humano é muito efêmero e finito; então, a gente se acostuma a pensar em 50 anos como um período longo, mas não é. Ainda estamos vivendo uma continuidade daquele período. Todos os personagens da peça carregam opiniões e visões de mundo muito presentes na atualidade. Por mais que eles estejam vivendo uma história do período da ditadura, ainda conseguimos identificar em qualquer almoço com os amigos posicionamentos que estão presentes na história. As incertezas e inseguranças ainda nos afetam hoje, e cada personagem tem uma visão de mundo; de certa forma, são cinco representações muito fortes e complexas na peça. Mas eu sou suspeita, porque eu adoro o texto; dá para conversar horas sobre ele.
Qual foi a parte mais desafiadora para você durante os ensaios e a montagem desse espetáculo?
As cenas de romance, sou muito tímida.
Como foi trabalhar com o diretor Luiz Carlos Checchia e com o elenco da peça? Você poderia compartilhar algum momento marcante desse processo?
Gabriel foi o último ator a se integrar ao elenco. Estávamos muito ansiosos com a chegada de quem seria o nosso Bento e se conseguiríamos alguém que pudesse ser tudo o que o personagem precisa, pois é um papel muito forte na peça. Então, no momento em que o Gabriel chegou, foi uma grande felicidade para todos nós. O Rubem Pignatari verbalizou esse momento olhando para ele e dizendo: “Ele já é o Bento”.
A relação entre os personagens Beatriz e Bento é central na trama. Como você vê o desenvolvimento dessa dinâmica ao longo da peça?
É determinante; ele desperta nela uma parte muito bonita, além de muitas dúvidas e incertezas. É uma dualidade que acompanha toda a nossa convivência ao longo da peça. É uma delícia, além do Gabriel Santana ser um grande parceiro, criativo, vivo e muito generoso na cena.
Como você espera que o público reaja à peça e à sua personagem? O que mais deseja que eles levem dessa experiência teatral?
Que temos sempre que olhar para o lado e não deixar de ver a realidade em que vivemos; que os desejos não valem tudo e que a irracionalidade leva a caminhos tortuosos.
Você tem uma trajetória significativa com a Cia Teatro dos Ventos. O que mais te atraiu no teatro de rua e em espaços não convencionais e como essa experiência impactou sua forma de atuar?
Obrigada! Na rua e em espaços não convencionais, o jogo é tudo: o jogo na cena e com o público. Quando você não tem a caixa preta, a dinâmica tem que ser muito mais intensa, porque não existe uma separação previamente dada pela luz ou pelo palco; o espaço cênico só é estabelecido a partir da sua interpretação e do jogo.
Você já trabalhou com diretores renomados, como Izaías Almada, e participou de séries como “Spectros” na Netflix. Quais foram os maiores aprendizados dessas experiências que você trouxe para sua atuação no teatro?
Com Izaías Almada, levo sempre comigo uma relação profunda com a palavra, com o texto e com os significados dos fazeres teatrais. A experiência que ele traz, junto à espontaneidade e ao frescor que o audiovisual exige, é muito gostosa de se refletir no palco.
Ao longo da sua carreira, participou de cursos e oficinas com nomes importantes do teatro, como Fernando Sampaio e Bete Dorgam. Qual desses treinamentos teve maior impacto na sua técnica de atuação e por quê?
Sim, tive professores maravilhosos e tenho o prazer de conviver com muitos deles enquanto trabalho em uma escola de teatro. Acredito que cada um desses mestres traz ensinamentos valiosos sobre como resolver na prática um ofício que é tão subjetivo e sensível. O Fernando é um palhaço incrível; ele carrega consigo a tradição da lona e me ensinou muito sobre o tempo da comédia. A Bete também é fantástica; ela ensina tanto sobre o ser humano, sobre o olhar, sobre o respirar e ver o outro. Eu os adoro.
Atuando tanto em espetáculos teatrais quanto em produções audiovisuais, como você percebe as diferenças entre os dois formatos? Existe um que você prefira ou ambos se complementam na sua carreira?
Ambos são uma delícia. Fingir ser quem não se é e dar espaço na sua vida para a vida de outra pessoa é um grande privilégio. Claro, cada um guarda suas particularidades. O teatro é a casa do ator, é onde você é soberano. Mas o audiovisual também proporciona uma experiência incrível. Eles são tão diferentes que, no fundo, nem sei se são realmente a mesma coisa. (risos)
O que te inspira a continuar no teatro, especialmente em um meio tão competitivo? Quais são os seus maiores sonhos e planos para o futuro na atuação e direção?
Essa é uma pergunta difícil para mim. Eu amo teatro e simplesmente não consigo não viver nele, seja assistindo, atuando ou convivendo com os atores. Adoro o teatro; ele é minha casa, e minha vida perde totalmente o sentido sem isso. Quero muito continuar fazendo o “Sonho Americano”, que a peça viva por mais tempo e que tenhamos bastante público. Além disso, espero que, num futuro próximo, consigamos montar outro espetáculo do Luiz, chamado “Brasil: Ano Zero”. Também gostaria muito de viver um grande papel no audiovisual.
Deixe uma mensagem ao público.
Vão assistir à nossa peça, que foi feita com muita dedicação, e acreditamos profundamente em sua mensagem.
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