O documentário Lendo o Mundo, das diretoras Catherine Murphy e Iris de Oliveira, foi o grande vencedor da Mostra Competitiva de Documentários da 53ª edição do Festival de Cinema de Gramado, um dos mais tradicionais e prestigiosos eventos do calendário cinematográfico nacional. O longa é uma parceria entre a Maestra Productions, dos Estados Unidos, e o Instituto Paulo Freire.
“Esta tem sido uma caminhada mágica. Um trabalho coletivo, de muito amor, de muitas mãos”, afirmou a diretora Catherine Murphy ao receber a estatueta, durante a cerimônia de premiação. “Quero sobretudo dedicar esse prêmio a todos os alunos da experiência das quarenta horas em Angicos, a todo o povo de Angicos, e à vida, à obra e ao legado de Paulo Freire.”
O filme reconstrói os primeiros anos de trabalho do educador e filósofo Paulo Freire (1921-1997), um dos mais influentes pensadores da educação até os dias de hoje. No início dos anos 1960, Freire liderou um projeto experimental no Nordeste do Brasil, permitindo que centenas de adultos lessem, escrevessem e votassem. O golpe de estado de 1964, que instaurou a Ditadura Militar no Brasil, levou Freire ao exílio, onde permaneceu por 16 anos, período em que se firmou como um dos mais respeitados educadores de todo o mundo.
Contado por meio das memórias coletivas dos alunos que participaram dos “Círculos de Cultura” e aprenderam a ler e escrever em 40 horas, em especial na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, o método revolucionário de Freire fez uso do pensamento crítico e criativo, em vez da memorização e da repetição. Com isso, milhares de brasileiros se alfabetizaram e puderam votar – na época, analfabetos não podiam votar no país –, fortalecendo a jovem democracia brasileira.
“O método de Freire é mundialmente conhecido como de alfabetização de adultos, mas ele na verdade é muito mais do que isso”, afirma Catherine, uma das diretoras do longa. “É sobre alfabetização, mas também sobre direito a voto, direitos civis, direitos humanos, tudo o que ele definia como processo de conscientização. Nossa ideia foi justamente olhar para o nascimento desse projeto, que marcou o trabalho de Freire ao longo de toda a sua vida.”
Além de muitas entrevistas atuais, que mostram como o legado deste trabalho permanece vivo, o filme também faz um extenso mergulho em imagens de arquivo, reunindo verdadeiros tesouros recolhidos em dezenas de fontes documentais, em uma pesquisa que consumiu os dois primeiros anos do projeto.
“Nós também buscamos fazer um retrato do contexto, o que estava acontecendo no Nordeste naquele momento, que foi uma época fascinante. Grandes movimentos sociais, grandes demandas por reformas, tentando transformar o que ainda era uma estrutura social muito colonial e feudal”, explica Catherine. “A maioria das pessoas não tinha acesso à educação. O Rio Grande do Norte tinha 70% de analfabetismo adulto. E essas pessoas eram proibidas, por lei, de votar. Era essa a realidade que eles estavam tentando mudar.”
O filme também conta com uma trilha sonora composta por expoentes da cultura nordestina, como Chico César, Bia Ferreira, Cláudio Rabeca e Quinteto da Paraíba. Para além de ilustrar, são canções que dialogam com a narrativa, auxiliando na construção daquela história sendo contada.
“Estar no Festival de Gramado, um dos mais importantes do Brasil, já é uma conquista para qualquer cineasta independente. Mais do que isso, é a chance de fazer parte de uma história coletiva, ao lado de obras potentes que refletem o novo e fértil cenário do nosso cinema nacional. Um cinema sério, que se fortalece ao olhar para dentro. É por isso que acredito que filmes como o nosso precisam estar nesta vitrine, chegando a todos os cantos do país e conectando jornadas com Paulo Freire, honrando seu legado e compartilhando este sonho de transformação pela educação”, afirma a diretora Iris de Oliveira.
Ela conta como o mergulho profundo nos arquivos foi ampliando a visão sobre a complexidade daquele momento, em que as nascentes lutas sociais entravam cada vez mais em choque com as forças que se organizariam em torno do golpe de estado no Brasil. Mais do que um filme sobre um tema ou uma figura, ele acaba sendo um retrato de um momento histórico fascinante de tensões e contradições.
“Nós fomos entendendo como aquele trabalho foi uma via de mão dupla, em que os jovens educadores aprenderam tanto quanto as pessoas que estavam sendo alfabetizadas”, diz. “Isso para mim é a grande magia de trabalhar com material de arquivo, poder estabelecer essa relação dialética de perguntas e respostas com o passado, o futuro e o presente.”
Lendo o Mundo:
Duração: 70’
Ano de Produção: 2025
Status: Pós Produção / Finalização
Direção: Catherine Murphy & Iris de Oliveira
Produção Executiva: Petra Costa, Kit Miller, T.M. Scruggs
Trailer: link
Site: link
Sobre as diretoras
Catherine Murphy é uma documentarista independente e fundadora da Maestra Productions. Seus filmes tem foco na intersecção entre artes, educação e movimentos sociais. Seu primeiro filme, MAESTRA, explora as histórias das mulheres mais jovens que participaram da Campanha de Alfabetização de Cuba em 1961. Foi selecionado para distribuição pela Women Make Movies, traduzido para seis idiomas e continua sendo exibido com frequência 15 anos após seu lançamento. Seus arquivos estão guardados na Universidade da Carolina do Norte. Quatro contos baseados em suas entrevistas foram publicados no penúltimo livro de Eduardo Galeano, Espejos.
Iris de Oliveira Formada em Cinema, atua na área de audiovisual há mais de 20 anos. Possui experiência profissional em montagem (12 longas metragens), elaboração de projetos para audiovisual, criação de roteiro, arte-educação, fotografia, publicidade, TV e WEB. Dirigiu o documentário “ACERVO ZUMVI – O Levante da Memória”, sobre o trabalho do fotógrafo Lázaro Roberto. Co-direitora de “As Travessias de Letieres Leite”. Pesquisadora do gênero Documentário, Cinema Experimental, Arte Contemporânea, Midia-ativismo e Cinema Negro.
Sobre a Maestra Productions
A Maestra Productions conta histórias reais sobre alfabetização, destacando quem ensina, quem aprende e as lutas por justiça educacional. Com foco nas interseções entre raça, classe e gênero, a produtora vê a alfabetização como um direito humano e pilar da democracia. Por meio da narrativa documental, constrói um arquivo vivo de histórias que conectam alfabetização e movimentos de justiça social nas Américas.
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