A grande diva do soul brasileiro, Sandra de Sá, está celebrando seus 40 anos de carreira neste ano de 2020 e ontem (27) chegou aos 65 de idade, data em que a Sony Music Brasil ofereceu um super presente aos fãs da cantora. Serão disponibilizados três álbuns de carreira, um compacto e quatro compilações da artista nas plataformas de streaming. Trata-se de mais uma ação do marketing estratégico da gravadora, dando prosseguimento ao projeto de digitalização do seu catálogo, incluindo a restauração de tapes analógicos e projetos gráficos originais.
Além dos álbuns da cantora que já estavam disponibilizados, gravados na extinta RCA/BMG, atual Sony Music – o primeiro e antológico “Sandra Sá” (1986), dos hits “Retratos e canções” e “Joga fora (no lixo)”, o último e menos conhecido registrado na companhia, “Sandra de Sá” (1993) e duas coletâneas –, entram agora “Sandra de Sá” (1988); “Sandra!” (1990); “Lucky!” (1991), além de um compacto de 1986 com a balada “Entre nós” (em duo com Michael Sullivan) que traz no lado B uma canção pop instrumental, “Love time”, do gruplo Clock; além das coletâneas “O melhor de Sandra de Sá” (sua primeira compilação, de 1989) e seus volumes das séries “Acervo” (1993), “Focus” (1999) e “RCA – 100 anos de música” (2001).
Trata-se da fase de maior sucesso da carreira de Sandra de Sá, que veio seis anos após sua estreia no Festival MPB 1980 da TV Globo, sedimentando ainda mais seu nome no olimpo da cultura Black Rio. “Foi uma fase de ampliação de conhecimento e de reconhecimento da minha própria arte. Ainda estava muito crua no meio artístico, pois não fui do tipo que passou a vida inteira querendo ser artista. Queria ser psicóloga, música para mim era um hobby, saía naturalmente, era como respirar. Até me convencer de que havia um mercado, um mecanismo para as coisas acontecerem, altas estratégias, demorou um pouco. Aprendi muito durante essa época e tive certeza que só eu mesma poderia escrever minha própria história na música”, explica a intérprete em entrevista exclusiva para este lançamento.
“Bye, bye tristeza” foi um de seus maiores hit
Foi justamente a partir de 1986, ao ingressar na extinta RCA que a carreira da cantora deu um salto de popularidade, quando o então diretor artístico da empresa, Miguel Plopschi, juntamente com a dupla de hitmakers Michael Sullivan e Paulo Massadas e o arranjador Lincoln Olivetti, deram a ela o empurrão definitivo. Após o êxito do álbum “Sandra Sá” (1986), ela mudou de nome e logo o estampou na capa do seguinte, “Sandra de Sá” (1988), que dava sequência natural ao anterior. “Foi a continuação de um grande estrondo. A canção ‘Bye, bye tristeza’, de Marcos Valle e Carlos Colla, até hoje não posso deixar de fora dos shows. Agrada a todas as idades. É curioso porque desde o começo eu canto essa música não pensando num romance, mas como um hino do ser humano, que quer ser feliz. Outra desse disco que sempre pedem é ‘Alma gêmea’. No próximo show, já vou ensaiar para colocar no roteiro”, afirma a cantora que também brilhou neste trabalho em dueto bilíngue com o astro Billy Paul, na balada “Amanhã”, assinada pela grife Sullivan & Massadas. No entanto, há canções que merecem ser redescobertas, como as de atmosfera soul, como “África” (Gil Gérson/ César Rossini), “Cartão vermelho” (do recém-falecido Renato Barros e Clarice Pinto) e “Ninguém tem culpa” (Júnior Mendes/ Sandra de Sá), e a pop latina “Calibre grosso” (Efson/ Odibar).
Uma das grandes curiosidades deste álbum é a participação, a princípio inusitada, do grupo Titãs. De tribos musicais distintas, ela do soul e eles do rock, juntos gravaram o rock inédito “Tempo”, um presente de Arnaldo Antunes e Paulo Miklos. “Costumo dizer que faço funk’n’roll e rock and soul. Na verdade, eu era colada com os Titãs. Quando eles vinham de São Paulo para o Rio eu ficava com eles, e vice-versa”, diz, afirmando que tinha ótima relação com diversos roqueiros da época.
Do romântico-popular ao pop vanguardista
O álbum seguinte, “Sandra!” (1990), além de ser talvez seu melhor e mais eclético trabalho, foi também uma das motivações e, digamos, o “padrinho” deste lançamento no streaming. “Este disco é o culpado de toda essa reedição, brother! Eu liguei para o Paulo Junqueiro (presidente da Sony Music Brasil) e disse: ‘Quero relançar este álbum porque as pessoas pouco o conhecem e é uma das coisas mais fortes que já fiz na minha vida. Esse encontro de Nelsinho ‘negão’ Motta (na produção) com o Guto Graça Mello (na direção musical) saiu faísca”, elogia. “Apesar de todos os meus discos serem diversificados, este álbum acentua isso tudo. Na época, estava sufocada, precisando me renovar e pedi isso à gravadora. Não chegou a ser um estouro quanto os outros porque eu, Guto e Nelsinho fomos mais ousados que o mercado”, acredita ela, que, no entanto, emplacou a balada “Quem é você”, versão de Motta para “Love Will lead you back” (Diane Warren), originalmente gravada por Taylor Dayne, cuja versão na voz de Sandra entrou na trilha da novela “Mico preto”.
Mas “Sandra!” (1990) ia muito além da balada “Quem é você”. Para começar resgatava duas pérolas do soulman Cassiano – “Cinzas” e “Slogan”, esta com luxuosa participação de Djavan e Marina Lima, logo na abertura. “Uma vez, o Cassiano me disse que o mais importante da música você não ouve. Só fui entender isso uns 25 anos mais tarde. Na verdade, o sentimento puro de fazer as coisas é o que importa”, analisa. Além dessas, havia mais recriações, como a do clássico “Charles, Anjo 45”, de Jorge Ben Jor, em versão samba-reggae, sem instrumentos de harmonia, apenas com o batuque do Olodum (“Não é fácil cantar sem harmonia e ainda mais com um suingue desses, que te leva para viajar. Uma coisa forte que a gente pega uma reta e vai. Eu estava possuída, em transe, quando gravei”, diz).
Havia ainda “Send me to the eletric chair”, um velho blues do repertório de Bessie Smith, que a lançou em 1927 (“Foi a primeira e única vez que gravei em inglês”, sublinha) e outra versão do produtor Nelson Motta para o clássico “Cry me a river”, sucesso cool de Julie London, nos anos 1950, que virou “Como um rio”. Entre as inéditas, o funk/soul “Arroxo” (Hubert/ Mu Chebabi/ Robertinho Freitas); a suingada “Mandela” (Ronaldo Barcellos/ Guto Graça Mello), a bela balada soul “Blue eyes” (outra de Ronaldo com o tecladista Jorjão Barreto), um rock explosivo de seu velho amigo Cazuza (com Renato Rocketh), “Eu quero alguém”, e uma balada de Frejat, “Imensamente só”.
O álbum seguinte, “Lucky!” (1991) é uma espécie de meio termo entre um repertório mais pop vanguardista e outro mais romântico-popular. A faixa-título, mais uma do baixista Renato Rocket, esbanjava ousadia, um funk-rap só com nomes de mulheres, num gênero que só se solidificaria anos mais tarde no mercado. Ao mesmo tempo, dividia vocais com o ídolo Tim Maia na balada “Não tem saída” (Augusto César/ Paulo Sérgio Valle) e com o roqueiro Lobão na canção “Mais do mesmo”, do Legião Urbana. Cantava “Blues da piedade” (Frejat/ Cazuza), mas também o baladão “Contrato assinado” (Chico Roque/ Paulo Sérgio Valle), maior hit do álbum, incluso na novela “De corpo e alma”, e ainda trazia de volta um grande hit internacional dos anos 60, “Can’t take my eyes off of you”, numa versão assinada por ela própria, “I love you baby”.
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