Como um convite para uma viagem sonora, André Pelo Mundo faz uma exploração da música brasileira com olhar lo-fi e contemporâneo em seu primeiro álbum, “Tororó/Terapia”. Caminhando entre baladas e sambas ao longo de 10 faixas, o trabalho faz das harmonias da música brasileira uma oportunidade de experimentação e desconstrução.
“Tororó/Terapia” nasce do paradoxo. Como tantos outros atualmente, André Pelo Mundo não sai de casa. O álbum foi todo gravado no quarto do artista carioca André Buarque em uma tentativa de criar a partir de referências aparentemente improváveis – o orgânico e o sintetizador buscando novos caminhos. Sem perder de vista o formato da canção, André desmonta as estruturas para reconstruí-las. Confira a entrevista:
Entrando com chave de ouro em sua carreira musical, o álbum “Tororó/Terapia”, onde podemos mergulhar em uma mistura de lo-fi e contemporâneo. Como foi o caminho para chegar até a essência do projeto?
Obrigado, então, já faz algum tempo que tenho realizado trabalhos musicais e eu percebo que não é fácil e nem intuitivo para mim chegar num trabalho coeso, com músicas que conversassem uma com a outra. Na minha faculdade eu começo a desenhar, estudar artes plásticas e arte contemporânea. Estudar o caminho da arte moderna e a evolução dela me ajudou a chegar um pouco no mundo da arte conceitual. Essa parte teórica só te ajuda a ficar com vontade de fazer algo elaborado, o trabalho em si você precisa fazer sozinho.
Eu dei a sorte de conhecer outros artistas e pessoas que pensavam de forma conceitual, que me ajudaram a perceber como uma unidade pode aumentar a qualidade de um projeto. Mas agora falando honestamente, não planejei nada pra esse disco, só me coloquei numa situação em que aquilo era a única coisa que eu me preocupava na minha vida, então tudo que adicionava ali naquela mistura era muito importante pra mim. Eu gravei os instrumentos de uma vez só, gravando violão e piano para 6, 7 faixas em apenas um dia, então as camadas iam se sobrepondo e certos ruídos, ou interferências, iam surgindo e na maioria das vezes isso acrescentou no clima do disco.
Tem um amigo que acha que no começo da faixa “Love Is A Dog” tem um barulho de água, de aquário, mas na verdade não tem nada disso. É só o barulho do pedal do piano reverberando na madeira dele que faz esse ruído.
Enfim, o caminho pra chegar até a essência do projeto foi gravar o projeto. Durante a etapa de gravação, percebi que as faixas estavam se parecendo e conversando entre si e fiquei mais relaxado conforme elas tomavam forma. Mas isso de misturar Lo-Fi com MPB não posso dizer ao certo que quis fazer isso. Eu cheguei com minhas canções e fui gravar elas e conforme gravava percebi uma unidade ali.
Com o avanço da pandemia, muitas coisas tiveram que mudar, inclusive a indústria fonográfica. Ao contrário do que se esperava, assim como a experiência do seu novo álbum, foi migrada para produção remota. Como foi esse novo processo?
Sinceramente, comecei a gravar o disco e o meu plano era fazer ele todo no estúdio, mas quando a pandemia veio se tornou necessário fazer a gravação remota. Posso dizer que deixou o disco com uma cara conceitual e bem executada terminar ele dentro do quarto. Tem uma série de discos feitos no quarto que eu adoro e que são influências positivas pra mim.
Como foi o processo de gravação e composição do álbum “Tororó/Terapia”, algo o incentivou na escrita das canções?
O disco já estava sendo composto basicamente 1 ano antes de começar a gravar, a partir da segunda metade de 2018, passei a estudar violão de forma mais séria e achei uns acordes novos que eu queria utilizar. Fiz primeiro a harmonia dessas duas músicas “Mariana, Por Favor” e “Areia” nessa época e terminei as músicas em 2019. Às vezes, inventava exercícios pra achar acordes novos e me obrigava a colocar os acordes com sonoridade mais distinta dentro das músicas. Um exemplo disso foi a viola caipira, não sabia tocar o instrumento e isso me dava vontade de explorar ele e achar músicas que seriam mais especiais por estarem sendo feitas em um instrumento novo.
Escrevo sobre o que eu vivo. Acho que muito do meu trabalho, parece com pequenas confissões, pequenas declarações. Poemas rabiscados nas paredes da minha cabeça.
Conte um pouco sobre as músicas ou artistas brasileiros que te inspiram na sua carreira?
Embora eu não ache que tenha uma “carreira” pra falar nesse sentido, gosto muito de música brasileira e do poder da canção nacional. Acredito que o brasileiro é musical naturalmente e expressa o que sente de forma mais realizada nesse universo que é o da música. Eu amo Nelson Cavaquinho, amo ver aquele curta de 15 minutos dele que tem no YouTube, dirigido pelo Leon Hirzman. Eu amo Chico Buarque demais e acho engraçado que eu me chame André Buarque e venho de uma família onde ninguém toca música nenhuma.
Pra mim, sempre foi muito difícil estudar e aprender música brasileira, porque é realmente algo livre e muito diverso. O começo foi muito difícil, mas foi quando comecei a estudar música, os códigos e linguagens dela que comecei a me sentir mais confortável com música brasileira. Novos Baianos, João Gilberto, esse violão sempre foi muito admirável pra mim, mas difícil de alcançar.
Eu amo Jards Macalé, porque ele faz todo tipo de música e ele não perde a graça nunca e tem uma personalidade muito cativante. Noel Rosa pra mim é um gênio que continuo descobrindo ao longo dos anos. Sei que vai ter sempre alguma música nova do Noel pra eu descobrir e conhecer. Tom Jobim, é claro, escuto muita bossa nova, muito samba. Sou muito grato pelo Baden Powell e pelo Vinícius e o disco deles, “Afro-Sambas”, também escuto muito o “Getz-Gilberto” pra pensar melhor em harmonia e minimalismo.
Gosto de uns caras meio malucos também, ouço o Júpiter Maçã do Rio Grande do Sul, amo aquele disco do Pedro Santos, o “Krishnanda” que é um dos maiores da história, ele fez a capa e é totalmente a parte do resto da MPB.
Além da música, o que você mais gosta de fazer quando não está gravando ou tocando?
Faço faculdade, estou fazendo muita aula online agora, tento me manter fisicamente ativo, ando de bicicleta bastante e jogo altinha na praia. Gosto de cozinhar, gosto de comer, costumo ler bastante por costume. Lia muito mais quando era mais novo, mas mantenho esse hábito até hoje.
Amo ler teatro, peças são livros curtos e extremamente profundos e me ajudam a pensar sobre o cotidiano e também sobre poesia e composição. Eu leio poesia quase diariamente pra pensar de forma poética e inserir influências no meu trabalho. Realmente passo meus dias escrevendo músicas e poemas e desenhando e isso me faz muito bem.
Conte-nos um pouco sobre quem é André Pelo Mundo.
O nome André Pelo Mundo surgiu porque eu usava esse nome há anos no Instagram, tipo 5 anos, e por mais que goste do meu nome, André Buarque, achei que seria bom criar um nome artístico pra poder me identificar e achar algo particular. Já tinha André Buarque por aí e tem muita chance de aparecer um outro. Tentei em vão pensar em nomes diferentes e eram todos ou ruins ou piores que o do Instagram. Acabou ficando esse mesmo, embora já perceba que não é tão difícil aparecer outras pessoas que se chamam André Pelo Mundo. Enfim, é só um acaso mesmo.
André Pelo Mundo sou eu, me sinto confortável com essa alcunha, sou compositor e escrevo desde que sou criança. Procuro representar as experiências que vivo, meus desejos, sonhos e medos. Eu faço isso desde sempre, escrevo poemas pra lidar com a realidade, e aprendi a música de forma relutante e insistente ao longo da minha vida. Eu gosto de desenhar também e acho que faço um retrato da mesma forma que faço uma música.
Quando a pandemia acabar, qual será a primeira coisa que você irá querer fazer?
Difícil essa pergunta, mas acho que vou amar a experiência de sair na rua sem me preocupar, organizar viagens e me movimentar sem me preocupar com as consequências, conhecer novos lugares do Brasil que ainda não visitei.
A música tem diversos significados para diferentes pessoas. Para você, o que é a música significa e o que o levou a seguir a carreira que o levou ao álbum “Tororó/Terapia”?
Música é muito fascinante, a música tem um feitiço, possui poderes inimagináveis. As pessoas que ficam marcadas como grandes músicos carregam uma aura imensa, uma importância cultural imensa e é interessante pensar no tipo de vida que a música exige de você. Uma dedicação musical muito longa custa algo. Você tem que abrir mão de alguma coisa para você conseguir passar anos e anos tentando descobrir alguma forma de adaptar a música a sua alma. E conseguir mostrar pro mundo isso, é muito difícil e eu não faço a menor ideia de como fazer isso. Esse disco é uma das minhas tentativas, foi a minha primeira tentativa formal de realizar esse objetivo. Eu vou tentar de novo até conseguir.
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