A relação entre o que comemos e a saúde do cérebro é mais direta do que muitos imaginam. Estudos recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde apontam que o consumo de alimentos ultraprocessados está associado ao aumento dos casos de AVC, doença que segue entre as principais causas de morte e incapacidade no Brasil. Segundo dados oficiais, a cada hora, 11 brasileiros morrem em decorrência de um acidente vascular cerebral.
O padrão alimentar moderno, dominado por produtos industrializados, ricos em açúcares, sódio, gorduras ruins e aditivos químicos, têm alterado silenciosamente o metabolismo da população. Ao mesmo tempo, a rotina acelerada e a falta de orientação nutricional tornam mais difícil manter hábitos equilibrados, o que favorece o aumento da pressão arterial, do colesterol e da inflamação sistêmica — fatores diretamente ligados aos AVCs.
Mas nem tudo é inevitável. Pesquisas indicam que até 90% dos casos de AVC poderiam ser prevenidos com mudanças simples de estilo de vida, como alimentação saudável, prática de atividade física regular e controle do estresse. Frutas, verduras, grãos integrais e boa hidratação são aliados potentes na manutenção da saúde vascular e cerebral.
Para entender melhor como as escolhas alimentares influenciam na prevenção, conversamos com a nutricionista Jaqueline Kremer, da Clínica Bels em São Paulo, que explica de forma prática e acessível os principais fatores de risco e como adotar uma alimentação que proteja o coração e o cérebro. Confira:
A alimentação moderna é cada vez mais ultraprocessada. Como esse tipo de produto altera o metabolismo e pode contribuir silenciosamente para o aumento do risco de AVC?
São produtos que passam por processos industriais intensos e costumam conter grandes quantidades de açúcares, gorduras de baixa qualidade, aditivos químicos, sódio e farinhas refinadas, mas são pobres em fibras, vitaminas e minerais. Do ponto de vista metabólico, o consumo frequente de ultraprocessados favorece os fatores de risco que levam ao acidente vascular cerebral, são eles:
- Resistência à insulina e favorecer o diabetes tipo 2;
- Altos níveis de colesterol LDL e triglicerídeos;
- Aumento da pressão arterial, sendo esse o fator mais mais comum em pacientes que sofreram AVC em algum momento da vida;
- Estado de inflamação crônica no organismo.
O intestino é considerado o “segundo cérebro”. Existe relação entre a saúde intestinal e a prevenção de doenças cerebrovasculares?
Quando o intestino está saudável — com uma microbiota equilibrada e boa ingestão de fibras — ele produz substâncias que ajudam a reduzir a inflamação, regular a pressão arterial e o metabolismo. Por outro lado, um intestino desequilibrado devido a dieta pobre em fibras e rica em ultraprocessado, vemos o aumento da inflamação sistêmica que favorece condições como hipertensão, diabetes e aumento do colesterol, fatores de risco para doenças cerebrovasculares, incluindo o AVC.
Intestino equilibrado, produz substâncias anti-inflamatórias (como o butirato). Quando está desequilibrado, pode produzir ou favorecer substâncias inflamatórias e pró-trombogênicas, como o TMAO. Desempenhando papel importante na saúde dos vasos sanguíneos, inclusive dos que irrigam o cérebro.

O consumo inadequado de água pode afetar a circulação e a viscosidade do sangue. A desidratação realmente aumenta o risco de AVC?
A falta de água pode levar a uma queda no volume sanguíneo, fazendo o coração e os vasos trabalharem mais para manter a pressão adequada. Além da água participar ativamente nas reações químicas de equilíbrio do corpo humano e trazer saúde para todos os tecidos.
O café e o chocolate amargo, quando consumidos com moderação, são tidos como protetores cardiovasculares. Até que ponto isso é verdade?
Café e chocolate amargo podem, sim, fazer parte de uma alimentação cardioprotetora — desde que consumidos com consciência e dentro de um padrão alimentar equilibrado.
- Café: geralmente até 3 a 4 xícaras pequenas por dia é considerado seguro para adultos saudáveis.
- Chocolate amargo: cerca de 1 quadradinho (10–20 g) ao dia já é suficiente para obter o efeito antioxidante, sem excesso de açúcar e gordura.
Acima dessas quantidades, o efeito pode deixar de ser positivo — especialmente em pessoas com hipertensão não controlada, sensibilidade à cafeína ou refluxo. Além de fazerem parte de rituais socioculturais que trazem grandes benefícios ao coração.
Dietas ricas em proteínas e pobres em carboidratos estão na moda. Há risco de sobrecarga vascular ou cerebral com esse tipo de alimentação?
O problema não é a proteína em si, mas o desequilíbrio. Dietas extremas podem aumentar riscos principalmente por falta de variedade nutricional. O estresse gerado pela dieta restritiva pode ocasionar episódios de compulsão. Não é possível construir uma casa forte e segura, apenas com tijolos.
O jejum prolongado e a restrição calórica severa podem causar oscilações de pressão e glicemia. Há perigo em adotá-los sem acompanhamento?
Quando a ingestão de energia é muito baixa, o corpo aumenta a liberação de hormônios do estresse e pode entrar em um estado de inflamação e perda de massa muscular, o que é prejudicial para a saúde metabólica e cardiovascular. Ja sabemos que a saúde mental esta ligada a quantidade de músculos acumulados nas pernas e braços principalmente. Jejum ou restrição de algum nutriente são estratégias possíveis, mas só devem ser feitos com acompanhamento profissional, para que sejam seguros e adequados à realidade de cada pessoa.
Vitaminas e minerais como potássio, magnésio e ômega-3 têm efeito protetor. Em quais alimentos esses nutrientes aparecem em maior concentração?
Potássio, magnésio e ômega-3 têm papel importante na saúde vascular promovendo melhor regulação de pressão arterial, redução de inflamação e melhora da circulação. Eles aparecem de forma natural em vários alimentos:
- Potássio: Principalmente em frutas e vegetais frescos. Fontes: banana, abacate, laranja, mamão, batata, batata-doce, feijões, lentilhas, água de coco.
- Magnésio: Está associado a sementes, grãos integrais e folhas verdes. Fontes: aveia, amêndoas, castanha-do-pará, semente de abóbora, espinafre, couve e cacau.
- Ômega-3: Ácido graxo anti-inflamatório presente em peixes e algumas sementes. Fontes: salmão, sardinha, atum, truta, chia, linhaça e nozes.
Incluir frutas, verduras, leguminosas, sementes e peixes na rotina já contribui de forma prática para proteção do coração e do cérebro.
O açúcar é um dos grandes vilões da saúde moderna. Além de contribuir para o diabetes, como ele impacta a circulação cerebral e o risco de AVC?
Quando ingerimos açúcar em excesso, especialmente concentrados em pequenas doses de alimentos como em bebidas adoçadas e produtos ultraprocessados, ocorre um aumento constante da glicemia o que favorece o aparecimento da resistência à insulina. Esse processo pode evoluir para o diabetes tipo 2, mas também causa inflamação crônica e danos diretos às paredes dos vasos sanguíneos.
Além disso, o açúcar contribui para o aumento dos triglicerídeos e acúmulo de gordura no fígado, desregulando o metabolismo das gorduras e facilitando formação de placas nas artérias — inclusive as que irrigam o cérebro. Ou seja, o impacto não é só no diabetes: o açúcar em excesso enrijece e inflama os vasos, dificultando a circulação e aumentando o risco de obstruções e AVC a longo prazo.
A alimentação pós-AVC exige cuidados especiais. Quais adaptações são necessárias em pacientes com dificuldades de deglutição ou perda de paladar?
Após um AVC, é comum que o paciente apresente dificuldades para engolir ou mudanças no paladar, e isso exige uma alimentação cuidadosamente ajustada. O objetivo é evitar engasgos, garantir boa nutrição e tornar a refeição mais confortável e incluir suplementação quando necessário.
Para pacientes com disfagia, a principal adaptação é na textura dos alimentos:
- Preparações mais macias, úmidas e homogêneas, como purês, caldos espessados, carnes desfiadas bem cozidas e frutas amassadas.
- Muitas vezes é necessário espessar líquidos para que sejam engolidos com segurança.
Já quando há perda ou alteração do paladar, trabalhamos com:
- Temperos naturais, ervas e especiarias para realçar sabores sem recorrer ao excesso de sal.
- Variedade de cores, aromas e temperaturas para estimular a aceitação alimentar.
O acompanhamento de nutricionista e fonoaudiólogo é essencial, pois cada pessoa tem um grau diferente de dificuldade — e, com orientação correta, é possível reaprender a comer com segurança e prazer.

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