As emoções básicas desempenham um papel crucial na vida cotidiana, influenciando nossos comportamentos e interações. Segundo o psicólogo Sérgio Patto, a compreensão dessas emoções pode ser complexa devido às diversas abordagens na psicologia. Ele explica que as emoções positivas, como a alegria e a empatia, derivam do amor, enquanto sentimentos negativos, como a raiva e a inveja, surgem da ausência desse sentimento essencial. No contexto latino-americano, onde as emoções são frequentemente intensas e confusas, discernir entre diferentes emoções é fundamental para evitar impactos negativos no dia a dia.
Patto ilustra como as emoções básicas podem influenciar as decisões e comportamentos diários com um exemplo prático. Um homem que trabalha o dia inteiro sem almoçar chega em casa irritado, afetando negativamente sua relação conjugal. Essa situação demonstra que emoções não gerenciadas adequadamente podem levar a problemas maiores, como o desgaste de relacionamentos. A capacidade humana de discernir e controlar as emoções, diferentemente dos animais, é destacada como um fator essencial para manter o equilíbrio e evitar ser dominado por sentimentos negativos.
A dinâmica entre alegria e tristeza é outro ponto abordado por Patto, que ressalta que eventos traumáticos e situações cotidianas podem causar tristeza. Ele argumenta que a tristeza decorrente de eventos traumáticos é natural, enquanto a tristeza cotidiana muitas vezes é resultante de egoísmo. Patto enfatiza a importância de agir de maneira madura diante das situações da vida para não se deixar dominar por sentimentos negativos, sugerindo que ações conscientes e uma atitude proativa podem ajudar a dissipar a tristeza e promover o bem-estar emocional. Confira:
[ENTREVISTA]
Sob a visão da psicologia, como podemos entender melhor a interação entre as emoções básicas na vida cotidiana de uma pessoa?
A visão da psicologia é uma coisa um pouco complexa, porque você tem os pensadores que tratam as emoções de formas diferentes. A psicologia no geral é uma coisa difusa nesse sentido, tá? Isso aqui seria uma coisa extremamente complexa de responder sob a visão da psicologia, mas vou trazer um geral. Então, sobre as emoções, podemos começar a entender que são derivadas do amor. Todas as emoções boas derivam do amor. São formas diluídas. Então, quando estou alegre, quando estou bem, empático, isso tudo tem a ver com o amor. E a ausência de amor? É quando estou com raiva, inveja, ódio, esses sentimentos negativos.
Então, claro que isso tem impacto na vida da pessoa, até porque, o brasileiro, acho que o latino no geral, tem uma característica de ser muito passional, tem emoções muito confusas. A pessoa não sabe ao certo nem o que ela sente, a pessoa não tem muita certeza. Então, sim, tem um impacto no cotidiano tremendo. E como resolver? Primeiro, você tem que começar a discernir o que é o que. Infelizmente, as pessoas não têm muitos instrumentos para discernir sozinhas e aí entram os profissionais da psicologia e da psiquiatria.
Em que medida as emoções fundamentais podem influenciar nossas decisões e comportamentos diários?
Vou dar um exemplo: o cara trabalha o dia inteiro, a esposa também trabalha o dia inteiro, só que o cara não consegue parar para almoçar, então ele faz um café da manhã forte, faz um lanchinho, não almoça, chega em casa mal-humorado, azedo… É óbvio, ele vai começar a degringolar a relação dele com a esposa, e até chega um momento em que pensa no divórcio. Mas tudo o que esse cara precisava fazer no primeiro momento era comer de maneira adequada.
Mas o que isso significa? Nós somos tomados de vez em quando por sentimentos, emoções ou sensações onde é preciso discernir isso daquilo, porque senão nós viramos reféns dos nossos sentimentos, emoções e percepções. Aí vamos nos igualando ao mundo animal, porque o animal, ele é este ser que é refém das sensações. Você joga um pedaço de carne na frente de um cachorro, ele come, você joga outro, ele provavelmente vai comer. A cadelinha passa no cio, ele pula em cima, ele é refém das sensações e das percepções. E o ser humano não necessariamente é, alguns são também reféns, mas nós temos a capacidade, nós temos uma vontade e outra que pode nos preservar desse tipo de coisa. Então, o ser humano é capaz de fazer jejum, o ser humano é capaz de não copular, mesmo quando ele está ali com desejo a mil, ele é capaz de fazer isso, ele é capaz de atuar nesse sentido.
Temos uma visão bem interessante no filme Divertida Mente onde vemos que até mesmo na tristeza, pode haver alegria e vice-versa. Como a dinâmica entre Alegria e Tristeza pode afetar o bem-estar emocional de alguém?
Na vida real é o seguinte: você tem na tristeza duas origens básicas, a primeira delas são eventos traumáticos, a perda de um ente querido, uma calamidade, a perda de tudo. Imagina lá a situação no Rio Grande do Sul, em que a pessoa fica triste por conta de um evento externo muito impactante na vida dela. Isso é um cenário, que vamos dizer assim, ainda que ocorra na vida de todo mundo, porque todos nós perdemos ou perderemos entes queridos, é uma coisa que não acontece cotidianamente, graças a Deus.
Segundo cenário, é a tristeza cotidiana, essa tristeza do dia-a-dia, ela é pautada no egoísmo, onde não tem nada acontecendo, mas você voltado para a sua criança interior, para os seus desejos primários, para a sua vontade ‘fácil’, vamos chamar assim, você se entristece. Então, você pode pegar qualquer exemplo que ilustra bem. Por exemplo, você está triste porque o seu chefe foi grosso. O cara foi grosso, porque ele está com um problema na vida dele, algo que não tem nada a ver contigo, mas que você se entristece, porque você queria ser tratado de uma maneira diferente. Você se entristece, pois seu namorado terminou contigo, porque a pessoa com quem você estava te traiu. O que é preciso pensar é ‘você foi bom no relacionamento?’ Sim, fui. Então, pena para ela ou ele que te abandonou.
A pessoa madura, ela não ficaria triste diante da situação, ela sentiria pena do outro e tocaria a vida, entende? Então, não existe uma alegria na tristeza, tá? Na tristeza, existe um evento traumático por trás ou um egoísmo. Nenhuma das situações comporta alegria, tá bom? E vice-versa, né? Alegria, não tem tristeza na alegria, você não está triste, porque você está alegre, você está bem, você está fazendo o bem, servindo sua comunidade, você é útil, você está bem no relacionamento, as pessoas que você conhece estão bem, a saúde está boa. Como é que você vai ficar triste diante disso? Você não fica, tá bom?
Existe uma emoção “mais importante” do que as outras ou todas elas desempenham papéis igualmente cruciais em nosso desenvolvimento emocional?
São coisas distintas, tá gente? Desenvolvimento emocional, a gente pensa sempre em desenvolvimento humano, que ocorre primordialmente da concepção aos 6, 7 anos de idade, depois você tem um segundo momento até os 12 anos de idade, uma certa consolidação aos 14 e aí até os 25 anos, quando se estrutura mesmo o sistema neurológico.
Sobre as emoções, não existe uma emoção mais importante, existem ações, até porque, vamos pegar aqui o mais simples, o mais clássico, que é o amor, tá? O amor, se ele não for traduzido em ação, ele não serve pra quase nada, ele serve de uma forma egoísta, e se for de forma egoísta não é amor, entende?
Então, a pessoa está triste, como a gente estava falando, o cara foi lá, a namorada traiu ele, ficou triste, está meio deprimido… Se ele se deixa levar por esse sentimento, se deixa levar por isso de forma egoísta mesmo, se volta para dentro de si, e quer a atenção dos amigos, porque afinal, a namorada traiu ele, quer a atenção da família, quer a atenção das pessoas, e se vitimiza, esse cara está ferrado. Esse cara vai pegar um caminho, que pode ser, inclusive, perigoso, pode levar para uma depressão. Agora, imagina que esse cara, ele, tudo bem, um cara infantil, um cara egoísta, foi traído, e está lá triste e tal, mas a vida está demandando dele. Ele tem que trabalhar, se ele for demitido, não consegue pagar o aluguel, não consegue pagar a prestação do carro, não consegue botar comida na mesa, então ele vai trabalhar, aí ele vai trabalhar, se distrai né, começa a conversar, ele não vai falar pros colegas que ele foi chifrado e essa coisa vai se dissipando. Por quê? Porque ele está agindo diante da situação ainda que inconscientemente, então, a ação é a coisa primordial, nós temos que agir diante de. Mas, não é qualquer ação. Grosso modo, se eu agir diante da vida, se simplesmente cumpro com as minhas obrigações, cumpro com as minhas demandas, quando me vir numa posição de ócio, me entristecendo, vou ocupar esse tempo também, porque não falta coisa pra fazer. Todo mundo tem o que estudar, tem o que trabalhar, tem um vizinho para ajudar, sempre tem uma coisa pra fazer.
Como podemos ajudar crianças a entenderem e lidarem com emoções complexas, como Raiva e Tristeza, da mesma forma que lidam com Alegria?
É o seguinte, as crianças, a gente ajuda elas traduzindo para elas. Então, a criança está ali brincando, e acontece alguma coisa, né? Falando sobre criança ali antes dos 6 anos de idade, tá? Crianças até os 4 anos de idade, elas não brincam juntas, elas brincam fisicamente próximas. Mas, cada uma está no seu movimento interior, cada uma está no seu momento, ainda que elas interajam. Isso é importante que se distingam. Mas aí a criança está ali, ela pega e joga o brinquedo. É função do pai, da mãe, ajoelhar, sentar perto da criança, ficar no mesmo nível que ela fisicamente falando e ajudá-la, meu filho, minha filha, você está com raiva. Nossa, você ficou com raiva, porque o Joãozinho arrancou ou tentou arrancar o brinquedo da tua mão. A criança diz que não gostou e você vai ajudando a traduzir. Porque sem esta tradução, vira um adulto problemático. Um adulto que não sabe o que sequer está sentindo. Então, é dessa forma que os pais precisam ajudar os filhos, principalmente na primeira infância, até os 6 anos de idade.
Qual o problema aqui? Muitos pais não sabem também o que estão sentindo, muitos pais não têm nem vocabulário para expressar o sentimento. Sabe aquela história? Ah, você tem que ler muito para poder ler e escrever bem. Isso é bobagem, você tem que ler muito pra você ter vocabulário, pra você dominar o teu idioma, pra você saber se expressar de forma correta e coerente, inclusive no que tange os sentimentos e as emoções. Então esse é o cenário ideal.
Então, da mesma forma que vimos com a alegria, a alegria sim, a criança está alegre, a criança fez algo e ela ficou feliz, os pais também precisam ajudá-la a entender certas coisas. Por quê? Porque nós temos que alimentar dentro da gente as boas inclinações, nós temos más e boas inclinações, todos nós. E cabe aos pais ajudarem os filhos a entenderem as boas inclinações, alimentar isso dentro deles, para que isso inclusive gere alegria. Então, sabe aquela coisa assim, o teu filho vai e faz um desenho, um desenho infantil, não é uma obra de arte não, desenho infantil qualquer, e você ficou feliz com a produção da criança, a criança ficou felizinha, o pai achou o desenho bonito, a mãe achou o desenho bonito, que legal. Mas o que você está ensinando para essa criança? Você está ensinando para ela a depender da opinião externa, a depender do olhar do outro, isso é um problemaço. Aí vai crescer um adolescente que precisa da validação externa. Gente, não sei se preciso explicar, mas assim, isso é um baita problema.
Então, o que os pais deveriam fazer? Meu filho que desenho legal, que desenho bacana, você deve estar muito contente com o que você fez. Assim como uma criança vai lá e ajuda o pai a guardar a roupa. Meus filhos estavam agora ajudando a gente a botar a louça na máquina, ajudando a gente a passar ali um paninho na casa. O que é importante dizer? Meu filho, você deve estar contente, que legal, você deve estar orgulhoso de estar ajudando o papai e a mamãe a arrumar a casa. Isso é importante, porque volta para dentro de si esse sentimento, e ele deixa de depender da validação externa. Isso é autoconfiança, isso o tornará um ser humano que é autoconfiante, esse é um ser humano que vai ter o tal do amor próprio, bem construído e bem calcado.
O que acontece quando uma emoção, como Raiva, domina as outras e se torna predominantemente presente na vida de alguém?
Qualquer emoção que predomine sobre as outras, que não seja o amor, é disfuncional. E, obviamente, ela denota um problema ou outro. Então, a pessoa que está sempre irritada; o cara está dirigindo o carro, qualquer coisa que aconteça no trânsito, o cara fica irritado. A gente chega no trabalho, qualquer coisa que aconteça, ele fica irritado, tudo é motivo para o cara estar irritado. Isso é sintoma de alguma coisa ou outra que provavelmente ou está acontecendo ou já aconteceu lá na vida pregressa dessa pessoa. E ela traduz os eventos do mundo como eventos geradores de raiva. E aí é difícil, porque a pessoa normalmente não tem como descobrir, lidar com isso sozinha. E quando as pessoas, o mundo inteiro aponta, as nossas mazelas… Todo mundo aponta para os nossos defeitos, as nossas questões, de forma direta ou indireta. E aí essa pessoa tende a se vitimizar. Diz coisas como: o cara me fechou mesmo no trânsito, o cara arranhou o meu carro, meu chefe foi grosso, minha namorada não me deu muita atenção hoje. Então, você entende que a gente volta também um pouquinho para isso do eu, eu, eu, eu? Mas profundamente isso é uma coisa que está realmente errada. E isso serve muito para os profissionais da psicologia, da psiquiatria, enfim, da saúde mental, para poderem ajudar essas pessoas, porque é diferente a pessoa que a raiva tomou conta e a outra que a tristeza tomou conta e a outra que a inveja tomou conta. Você tem um funcionamento primário aí bem diferente, você tem uma história pregressa bem diferente, claro, e isso nos ajuda muito a poder lidar com as pessoas de forma adequada para ajudarmos.
Em que situações é benéfico permitir que emoções menos positivas, como Tristeza, se manifestem e sejam expressas?
Nas crianças, sempre. Nas crianças, a gente tem que realmente permitir que elas se expressem, ajudá-las a se expressar, ajudá-las a entender. Quando a criança chora, ela chora, a criança quer gritar, ela grita, a criança, enfim, quer rir, ela rir, não tem um certo ou errado nisso aqui. Ai, mas gente, não, a gente está no meio do cinema, o filho começou a chorar loucamente. É uma criança, está previsto. Na igreja, no culto, sei lá, está previsto, é uma criança. A criança deve ser capaz de poder, deve poder expressar as suas emoções e ter um adulto capaz de ajudá-las a traduzir essas emoções.
No adulto, é interessante que o adulto possa manifestar as suas emoções, mas o adulto tem um problema. Pode perceber, o adulto que fica manifestando emoção o tempo todo, ele também está disfuncional, infantilizado, imaturo diante da vida. Então, a pessoa que fica reclamando é a vítima, a vítima tem várias coisas ali compondo essa persona. Tudo é porque eu sou um homem branco; a pessoa me tratou mal, porque eu sou um homem branco; a pessoa me tratou mal porque isso ou aquilo… Aí eu fico manifestando, fico reclamando, fico falando, e eu tenho que poder expressar minhas emoções, mas não cara, não tem não, você tem que começar a entender a vida, você tem que sair do papel de vítima, você tem que começar a entender certas coisas… Quase nada é pessoal, quase 80, 90% das coisas que te acontecem no dia a dia, não é nada. Não tem que reclamar de nada disso não. E os outros 10, 20%, provavelmente são coisas que você, de posse de uma certa maturidade, de posse de uma razão, de um intelecto humano, é capaz de resolver.
Você é capaz de sentar e conversar com um chefe, você é capaz de sentar e conversar com um colega de trabalho, você é capaz de não ficar xingando o cara que te fechou no trânsito, possivelmente, inclusive, sem querer, a gente conhece, o cara está com pressa, com vontade de ir ao banheiro, não sei. É preciso ter uma certa distinção.
Como a psicologia considera a importância do equilíbrio emocional, como visto na interação entre as emoções no filme “Divertida Mente”?
Aqui de novo caímos na questão da psicologia, mas eu diria que o tal do equilíbrio emocional ele é algo que se busca, mas não é um equilíbrio emocional como se fossem pratos numa balança. Tenho um pouquinho de raiva, um pouquinho de tristeza, um pouquinho de alegria e está tudo se equilibrando ali, eu estou bem. Não, você não está bem. Você está bem quando você entende os teus sentimentos, quando você entende a origem deles, quando você se coloca diante da vida de maneira madura, de maneira segura, onde a opinião do outro não te valida ou não te desvalida, ela não te torna menos nem mais.
Mas para isso, cara, é um caminho muito árduo que a gente tem que fazer, por quê? Porque nós não somos ensinados a isso. Nem dentro de casa, nem fora de casa, é uma questão cultural mesmo. Então, diria que um certo equilíbrio emocional, sim, ele é desejável, ele é saudável, mas que fique claro que não é um ‘equilíbriozinho’, 30% para cá, 30% para lá, não é isso, tá. É da pessoa ser emocionalmente estável em um lugar bom.
No filme Divertida Mente 2, a Riley acaba entrando na puberdade e novas emoções aparecem. Como essas novas emoções (no caso dela a ansiedade, inveja, vergonha e tédio) podem impactar o desenvolvimento emocional de adolescentes?
A gente está falando de coisas distintas aqui, tá, ansiedade, inveja é uma coisa, vergonha é outra e tédio é outro, todas têm origens muito distintas. E, obviamente, todas essas aí são características que sim, que vão impactar negativamente na vida da pessoa. Então, a pessoa ansiosa, é claro que ela desenrola pior a vida do que uma pessoa que não é ansiosa; a pessoa invejosa, coitada, essa daí tá lascada; a pessoa envergonhada, a pessoa tímida, uma pessoa insegura, uma pessoa que não tem a autoestima, não está calcada no lugar certo; e uma pessoa entediada, é alguém que foi hiperestimulada e provavelmente é sedentária. São algumas características desses sentimentos, dessas emoções. Então, como é que a gente faz aqui? Para cada uma dessas, você tem algumas causas e algumas maneiras de se sair disso. Depende do grau, depende de muita coisa, mas a vergonha, eu falei rapidamente o tédio também…
A inveja, dessas aqui, acho que é a pior de todas, porque a inveja representa que essa pessoa é uma pessoa ferida, é uma pessoa que não está com os valores no lugar, sabe aqueles quatro valores humanos? Ela não está com os valores no lugar, tem uma falha muito grande naquilo ali, ela está voltada demais pro externo, está olhando demais o outro e provavelmente olhando pouco para si, porque quando ela olha para si, ela não gosta do que ela vê. E tudo isso é um exercício que a pessoa invejosa tem que fazer.
Qual é a grande dificuldade? A pessoa invejosa, ela sabe que ela é invejosa, mas ela não demonstra para o mundo que ela é invejosa. Ela tenta esconder das pessoas a inveja. Tem comentariozinho sarcástico, comentáriozinho irônico, um veneninho aqui, um veneninho ali.
E a ansiedade que vocês colocaram aqui, a ansiedade é um dos grandes males de hoje em dia. Que tem causas principalmente no estilo de vida. Então, tela para todos os lados, liberação de dopamina, muita liberação de dopamina, rede social, videogame, tela, tela azul, tudo muito frenético, tudo muito acelerado. Você tem aí também, sei lá, você percebeu… Tenho 48 anos, desde que estou vivo, o mundo já era para ter acabado umas 7, 8 vezes. Agora com a galera do clima, todo ano é para o mundo acabar, todo ano é para a humanidade se extinguir. Tudo isso é muito ansiogênico, então você tem que olhar para a origem disso, dessas emoções e tentar combatê-la na origem.
Em que medida essas emoções adicionais podem influenciar os processos de tomada de decisão e comportamentos durante a puberdade?
É meio linear. A pessoa ansiosa vai estar sempre ali temendo o futuro, vai ter crise, vai ter sudorese, vai ter reações físicas diante de certas situações e vai paralisar. A pessoa invejosa também vai ficar ali percebendo o outro, olhando para o outro, pensando mais no outro e menos em si e também vai paralisar. A pessoa envergonhada, isso é fácil demais, tem vergonha de apresentar; imagina, uma adolescente que tem que fazer uma apresentação em sala de aula, tem vergonha, não consegue, então ela também paralisa. E o tédio, a pessoa também paralisa, porque é tudo hiperestimulação, e aí quando ela tem que lavar uma louça, ela não consegue. Enrola, enrola, enrola, enrola e paralisa diante da ação.
Estamos falando de quatro emoções que paralisam o indivíduo. Novamente, quem tem que… aqui é muito complicado, tá gente? Porque você não educa o adolescente, porque a adolescente já está educado, mas você ajuda o adolescente, né? Então, primordialmente são os pais, os pais têm que, percebendo isso, têm que tentar se orientar, têm que tentar adquirir certo conhecimento, têm que procurar um profissional para ajudá-los com isso, para ajudar o adolescente com isso, para que ele consiga se colocar em movimento de forma saudável. As escolas tentam fazer isso, mas não é de forma saudável, a escola é na marra. Apresenta ou vai ficar com zero. Aí o cara vai lá, apresenta mal e porcamente, aí tem os professores que dão uma notinha ali pela simpatia, tem professor que realmente dá o zero, porque apresentou mal…
Então, realmente isso é uma função dos pais, ainda que busquem profissionais, ainda que ajudem, mas tem que ter em mente o seguinte; os profissionais da área da saúde mental que mais atendem são os psicanalistas, que atendem duas, três vezes por semana a mesma pessoa, meia hora a uma hora por sessão. Ainda assim, vamos combinar, é pouco diante da vida, então a pessoa está numa situação ansiogênica, um cenário em casa desfavorável, ansiogênico, os pais agressivos, os pais deprimidos, os pais que trabalham demais, que não são presentes, enfim, todo dia, o dia inteiro. Então, os profissionais da área de saúde mental, o nosso papel é ajudar com uma ferramenta, mas o adolescente tem que usar essa ferramenta e os pais de preferência tem que usar essa ferramenta, senão a coisa fica muito, muito solta.
Existe um equilíbrio ideal entre essas novas emoções e as emoções fundamentais? Como isso pode ser alcançado na prática clínica?
Não existe equilíbrio ideal, não existe equilíbrio entre ansiedade, tédio, inveja, vergonha, isso não tem que ser equilibrado, tem que ser extirpado de dentro das pessoas. Verdadeiramente, uma coisa de novo, a pessoa ficou triste, porque a enchente levou tudo. A pessoa ficou triste, é óbvio, ninguém vai questionar, todo mundo vai ajudar essa pessoa a sair daquilo ali, inclusive emocionalmente. Agora, a pessoa está tendo uma crise de inveja, porque a amiga dela noivou e ela não noivou ainda, e está com 30 anos. O cara está mordido, porque o amigo de infância dele está dirigindo uma Ferrari e ele está lá dirigindo o golzinho dele, se mordendo de inveja. Não existe equilíbrio nisso, tem que ser extirpado, senão essa pessoa nunca vai ser feliz, essa pessoa nunca vai conseguir ser uma pessoa verdadeiramente útil pra sociedade, verdadeiramente produtiva, essa pessoa nunca vai ser capaz de se entregar pro outro da forma adequada.
Como os pais e cuidadores podem apoiar adolescentes durante essa fase de desenvolvimento emocional, considerando a inclusão de novas emoções?
Adolescente, hoje em dia, tem essa coisa que os pais reclamam que os filhos acham que a casa é uma pensão, acham que a casa é um hotel, não fazem nada. Cara, olha só, vocês criaram os seus adolescentes, os pais esquecem isso. Quem criou essas pessoas foram os pais. Ai tem pais que dizem não, não fui eu. Então, se não foi você, você delegou para o mundo e o mundo te entregou isso aí. Mas foi você que abriu mão da tua responsabilidade. Por querer ou sem querer, tá, gente? Assim, eu tô sem julgamento de valor, por favor. Mas é um fato, né? É um fato.
Então, primeira coisa que os pais ou cuidadores devem fazer é olhar para dentro de si e falar, pô, vem cá, se meu filho ou minha filha, ele sai de casa, não arruma a cama, deixa a louça suja, vai estudar, vai para a escola, vai para a universidade, para onde quer que seja, volta para dormir, dorme, e é isso… Nós criamos isso, os pais criaram isso, a primeira coisa é os pais olharem para dentro de si e perceberem que eles fizeram isso com esses jovens, tá. Então, Sérgio, mas aí se a gente pensar em psicopatologias graves como psicose, aí é outra coisa, tá bom? Tem, perpassa um pouco isso, óbvio, mas é outra coisa, a gente está falando aqui de situações típicas, normais. Como é que os pais ajudam? Os pais ajudam primeiro mudando a si mesmos, então pais mais presentes, pais mais participativos, pais menos resmungões, pais que reclamam menos, pais que fazem, que cumprem as coisas, que chega cansado em casa, mas vai brincar com o filho. Que chega cansado e vai ter um momento com o filho, que tira o momento do joguinho de futebol, bebendo cerveja e churrasco com os amigos, para estar com os filhos. É isso que os pais e cuidadores têm que fazer. Parece muito complicado, não é. É óbvio que a dependência da pessoa, diria que a maioria, vai achar essa afirmação difícil de ser feita, e tudo bem, mas não tem outro caminho, é assim que os pais vão conseguir trazer essa adolescência para perto, é assim que os pais vão conseguir fortalecer essas pessoas.
Em que contextos ou situações do cotidiano essas novas emoções podem surgir com maior intensidade e como isso pode afetar o bem-estar emocional dos jovens?
Aqui tem uma pegadinha. Ah, afetar o bem-estar emocional, é claro. Se você fica ansioso, afetou o seu bem-estar emocional, se você está com inveja, afetou, se você está com vergonha, tímida, afetou, então afeta. Isso aí, simples assim. O grau é o grau da intensidade do sentimento, a intensidade da emoção vai dar o grau aí, do quanto afetou, tá. Mas, isso aqui tem uma coisa muito importante, que é assim; se eu fico voltando o olhar da pessoa para dentro de si o tempo inteiro, de forma egoística, essa pessoa vai desenvolver essas características aqui que vocês estão trazendo e a depressão e certos transtornos. Por quê?
Imagina comigo, eu moro nos Estados Unidos e o que acontece muito aqui é o seguinte, você tem lá um conselheiro na escola, e o conselheiro vai, em certos jovens, todos os dias e pergunta como você está? E senta ali, tem um momento para isso. É óbvio que esse cara vai deprimir, é óbvio que esse cara vai chegar ali, começa falando direitinho, mas aí ele vai ver…porque sempre tem coisa para reclamar, sempre tem uma coisinha acontecendo, vamos combinar? Sempre. Então, se você vai hiperfocando, e isso aqui é fim de propósito mesmo, se você vai hiperfocando nessas questões, você vai fazendo o quê? Você vai deprimindo essa pessoa, você vai fazendo essa pessoa se sentir envergonhada de ser ela mesma, você vai fazendo essa pessoa se sentir ansiosa. O tédio não entra nessa, mas você vai aumentando o buraco em que essa pessoa se encontra.
Qualquer profissional de psicologia minimamente capaz, que estudou um pouquinho, sabe disso. Então a gente não hiperfoca nessas coisas, tem que ter uma noção do que está acontecendo; e a gente foca em que? Olha só, tu volta o teu olhar pro outro primeiro, não olhar de ah que carro que ele está dirigindo? Mas sim no sentido de que meu amigo está na merda, posso ajudar o cara? Como é que eu participo em casa? Eu sou útil dentro de casa ou não sou? Eu ajudo meus pais com quaisquer questões? Eu ajudo meus irmãos? Eu sou um bom amigo? Eu sou um bom colega? Eu sou um bom estudante? Eu cumpro minhas obrigações? Você entende? E aí eu volto para dentro de mim com um olhar não de piedade, não de comiseração, mas um olhar de o que eu sou capaz de fazer, vamos ver, porque eu não sou capaz de fazer tudo, isso não existe. Sabe aquela coisa boba de você pode ser o que você quiser? Não, não pode, não pode. A gente tem que ter certa noção, porque nós temos limites físicos, nós temos limites intelectuais, nós temos limites vários, a gente pode ser muita coisa, não entendo mal, mas não dá para ser tudo. Então, a gente volta o nosso olhar para dentro da gente, percebendo, sacando, buscando as nossas forças, fortalecendo, buscando as nossas virtudes, trabalhando o nosso caráter. É assim que a coisa deveria funcionar. Não funciona. Não funciona.
As situações do cotidiano, diria que são várias. Você tem na escola, infelizmente, praticamente toda a vida no Brasil escolar favorece o surgimento dessas relações. Por quê? Porque são vários jovens em sofrimento, sendo orientados por profissionais em sofrimento, vários jovens que não tem recurso, não sabem o que fazer, vários profissionais que não tem recurso, não sabem o que fazer, afetivamente falando, emocionalmente falando. E a coisa se perde.
Qual é o papel das novas emoções no processo de amadurecimento emocional e na formação da identidade durante a adolescência?
Gente, é mais ou menos assim, imagina que um jovem passa por um processo depressivo, ele entra num processo depressivo, qualquer situação, e aí ele percebe, eu vou dar exemplos aqui reais, de jovens que já atendi, sem identificá-los obviamente. Então, o jovem, ele se percebe deprimido, o mundo o percebe deprimido, ele procura um profissional, porque ele está deprimido, ele vai tomar remédio, e ele vai procurar um psicólogo para ajudá-lo a entender essa depressão. E ele entende os mecanismos da depressão dele, ele toma as rédeas daquilo, e vai conversar com o pai, vai conversar com a mãe, vai resolver as situações primárias dele. E aí, né, Deus iluminou ali a mente do pai e da mãe, não sei se aconteceu alguma coisa, que eles foram gentis no trato, que eles foram humildes diante ali das revelações do filho, das acusações do filho. E aí, com pouco tempo, a coisa se alinha e esse jovem não tem mais depressão, ele saiu da depressão, ele foi ativo diante da situação e o mundo dele foi também de certa forma muito saudável, isso é raro acontecer, mas estou dando um exemplo real que já vi acontecer algumas vezes.
E você tem um jovem que a maioria entra no quadro depressivo e acabou, a pessoa não quer fazer nada e aí não faz nada, o coitadinho se vitimiza, a família coloca na condição de vítima, os pais não olham pra si diante dessa situação, quando o profissional sugere aos pais e faço isso com muito cuidado, até por entender esses pais amam os filhos, eles querem o melhor dos filhos claro, mas quando você tenta, lhe sugere ou tenta voltar o olhar, a pessoa normalmente bloqueia ali, nada acontece.
Este indivíduo, para que ele saia da depressão, tem que acontecer algum movimento externo aleatório, a vontade dele, a vontade dos pais, e aí você fica sujeito à vida, né? E aí você começa a entender porque tem pessoas aí que estão há 20, 30 anos em um processo depressivo, tomando remédio há 20, 30 anos, remédio não cura, nenhum remédio de saúde mental cura a patologia em questão, é uma supressão de sintomas, para que a pessoa fique funcional, óbvio, é super útil, tem uma grande utilidade, mas não cura. Então, você precisa dessa ação, sem essa ação por parte da pessoa de fortalecimento diante de uma situação, a coisa não anda.
Tentando responder um pouco mais diretamente, sim, aquelas coisas que nos atormentam, que nos fragilizam, que nos doem, podem nos proporcionar um amadurecimento. Podem proporcionar sim um amadurecimento emocional, podem nos fortalecer, mas não é uma condição sine qua non para isso, infelizmente. Porque às vezes a vida só leva a pessoa, não esquece, ou então se vê numa situação um pouco diferente, aquilo já não está doendo tanto, mas ao se apresentar numa nova situação, um novo desafio, a pessoa fragiliza, quebra de novo e entra em um quadro depressivo novamente. Usar depressão, porque é fácil de ilustrar.
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