Fernando Vilela e Stela Barbieri fizeram diversas viagens para lugares onde se vive sobre palafitas. Em 2006, em Alter do Chão, no Pará, viveram uma experiência das palafitas como estruturas vivas que se vestem e se despem de água durante o ano, embaladas pelo movimento das cheias e vazantes da Amazônia aquática. O casal de artistas experimentou ali a suspensão não só das casas, mas das vidas que dialogam com as águas do rio Tapajós. Nos últimos anos realizaram outras viagens pelos Estados do Acre, do Amapá, de Pernambuco, de São Paulo e por outros países onde vivenciaram diferentes tensionamentos em contato com as pessoas que vivem sobre palafitas.
A vida sobre palafitas acontece no meio da floresta, na beirada dos rios, onde os fluxos da natureza estão em diálogo com o cotidiano dos moradores e também nas periferias de algumas cidades, onde há conflito e pobreza. Essas estruturas fincadas estão em contato com tudo que a água traz: a vida, o lixo, as tensões climáticas e sociais de um mundo de cruezas em transformação. A investigação dos artistas se desdobrou em trabalhos de arte, nos quais as próprias palafitas e suas paisagens são protagonistas. Essas obras podem ser vistas na Exposição Palafíticas, que acontece entre os dias 30 de setembro e 17 de novembro, a partir das 14h, no binåh Espaço de Arte, na Vila Romana, em São Paulo.
Os artistas Vilela e Barbieri reúnem no espaço obras que convocam os visitantes a caminharem por um singular universo palafítico em que a fabulação, a memória e a história se atravessam e recordam a primeira vez que um ser humano fincou um pau na terra. É essa, afinal, a origem da palavra. Palafita vem do latim palum fictus e significa pau fincado. No dicionário, as palafitas são definidas como um conjunto de estacas de madeira que sustentam habitações lacustres desde a pré-história. Os primeiros registros dessas estruturas datam do paleolítico e atualmente as construções sobre palafitas existem em várias regiões do planeta.
As palafitas habitam também o universo da ficção, como em um dos contos do livro “As Cidades Invisíveis”, em que o escritor italiano Ítalo Calvino narra a história de um povo que construiu uma cidade sobre palafitas tão altas que chegavam até as nuvens – e impedia seus habitantes de enxergarem a terra sem o uso de lentes e telescópios.
Enxergar o que acontece em terra firme era justamente a função das palafitas edificadas no quilombo dos Palmares, onde as torres de vigilância eram mirantes cujas estruturas permitiam alongar a vista e observar o inimigo a quilômetros de distância.
Nas cidades, lembram os artistas, as palafitas se transfiguram em andaimes móveis que se deslocam, obra a obra, e multiplicam as construções. O mesmo saber ancestral está presente nas estruturas metálicas localizadas dentro das paredes dos prédios e das casas. Essas palafitas ficam evidentes em período de guerras, quando as estruturas se tornam fraturas expostas entre escombros, após os bombardeios.
Para os artistas, nossos corpos são também construídos em palafitas. Se não, o que seriam os ossos amarrados por tendões e músculos? Esses questionamentos fazem os artistas fabularem, através de suas obras, uma época em que as montanhas, com pés de palafitas, mudavam de lugar e a paisagem se transformava o tempo todo.
Nesta mostra, que ocupa grande parte do galpão do espaço binah, são apresentadas pelos dois artistas 48 obras inéditas que dialogam entre si. Os trabalhos, realizados em diferentes linguagens, são pinturas, monotipias, gravuras, colagens e objetos tridimensionais.
As poéticas de Stela e Fernando, embora tenham esse universo em comum, caminham em diferentes direções. Stela Barbieri trabalha com formas mais orgânicas, matéricas e utiliza cores vibrantes, como o laranja flúor e vermelho, além de objetos de diferentes partes do mundo. Já as obras de Fernando Vilela têm um caráter geométrico e uma paleta rebaixada, constituída de pretos, brancos e de matizes de azuis e rosas.
A costura entre os trabalhos, realizada pela curadora Veronica Stigger em diálogo com os artistas, convida o visitante a experienciar continuidades, encontros e desencontros improváveis entre as obras de Stela e Fernando, num percurso poético que constrói uma narrativa de deslocamentos entre esses dois mundos palafíticos.
Será a primeira vez que o binåh Espaço de Arte realiza uma exposição de Barbieri e Vilela. A última mostra conjunta dos artistas foi a exposição “Paisagens Gráficas”, no Espaço Cultural Porto Seguro, em São Paulo, realizada em 2016. Até 17 de novembro, o público pode conferir a exposição Palafíticas de terça a sábado, das 14h às 18h.
Sobre os artistas
- Fernando Vilela nasceu em São Paulo em 1973. Artista, escritor, ilustrador e educador. Seu trabalho mescla as linguagens da xilogravura, fotografia, escultura e pintura, operando com grandes formatos. Já realizou diversas mostras e obras no Brasil e exterior e possui trabalhos em importantes coleções, como da Pinacoteca do Estado de São Paulo, do MAM de São Paulo, do Museu Nacional de Belas Artes do RJ e do MoMA de Nova York. Como autor, já publicou livros em 14 países e ilustrou mais de 100, dos quais 25 são de sua autoria. Seu livro Lampião e Lancelote recebeu dois Prêmios Jabuti no Brasil, a Menção Novos Horizontes do Prêmio Internacional do Salão Jovem de Bolonha, em 2007, e foi incluído no catálogo “White Ravens”, da Biblioteca Internacional de Munique, na Alemanha. Graduado em Artes pela Unicamp e mestre em Artes pela ECA-USP, ministra cursos, oficinas e palestras sobre arte e ilustração. É representado pela Galeria Izabel Pinheiro em São Paulo.
(www.fernandovilela.com.br) - Stela Barbieri nasceu em Araraquara (SP) em 1965. É artista, autora, educadora e contadora de histórias. Ao longo de sua trajetória como artista, vem pesquisando as materialidades e a relação da fabulação e da invenção com diversos públicos, propondo obras-oficinas, trabalhos de arte onde os visitantes participam da construção das obras. Foi diretora da ação educativa do Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, curadora educacional da Fundação Bienal de São Paulo e assessora na área de arte e educação para várias escolas e museus em diferentes estados do país. Atualmente dirige o Binåh Espaço de Arte. Publicou materiais educativos para instituições culturais, livros para professores e 30 livros para o público infanto-juvenil. Realiza exposições, espetáculos e ministra cursos que entrelaçam arte, educação e narração de histórias, no Brasil e no exterior. É representada pela Galeria Izabel Pinheiro em São Paulo. (www.stelabarbieri.com.br)
Sobre o Binåh Espaço de Arte – O binåh Espaço de Arte é um lugar de invenção, investigação e imaginação. Um lugar de encontros e experiências com e a partir da arte. O binåh foi sendo construído aos poucos no ateliê de Stela Barbieri e Fernando Vilela, com uma equipe transdisciplinar de designers, artistas, cineastas e profissionais diversos (educadores, músicos, arquitetos e outros). No binåh, lugar de encontros e entrelaçamentos entre áreas do conhecimento e diferentes linguagens, a arte e a educação são os principais campos de sustentação das experiências, que acolhem as inquietações, urgências e questões de pessoas, escolas e organizações. Os encontros são propostos por artistas, educadores, pensadores e profissionais de diversas áreas. No binåh, reúnem-se, assim, saberes e linguagens em torno de questões contemporâneas, criando um lugar estético, ético e político de deslocamento, para construção de novos olhares no pensar e no fazer integrados.
Serviço
Exposição Palafíticas
Artistas: Stela Barbieri (esculturas, colagens, desenhos, monotipias e pinturas) e Fernando Vilela (pinturas, desenhos, gravuras e monotipias)
Local: binah Espaço de Arte
Endereço: Rua Bento Vieira de Barros, 181 – Vila Romana – São Paulo – SP
Horário: Terça-feira a sábado das 14h às 18h
Período: de 30 de setembro às 14h (abertura) a 17 de novembro
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